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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

BONS LANÇAMENTOS DO MÊS DE OUTUBRO






Os Pinguins do Papai

Jim Carrey é sempre uma boa pedida para um fim de semana.
Neste mês, o impagável comediante está em cena com "Os Pinguins do Papai", onde interpreta o Sr. Popper, um homem de negócios que não tem tempo pra família (muito no estilo "Click", de Adam Sandler) – até o dia em que recebe 6 pinguins como herança. Apesar dos pinguins de Popper transformarem seu chiquérrimo apartamento num parque de diversões de inverno – e virarem sua vida de cabeça pra baixo, eles também lhe ensinam importantes lições sobre a família…







Transformers: O Lado Oculto da Lua

Tá.
Tranformers 3 foi esmagadoramente melhor que seu antecessor, "A Vingança dos Derrotados", onde Michael Bay abusou dos sons (como sempre faz) e esqueceu do roteiro.
A decadência gerou bafafás, prêmios no Framboesa de Ouro, e a saída da musa Megan Fox, que chingou meio mundo depois do fracasso do filme, e saiu com os produtores do longa querendo sua cabeça em uma bandeja.
Bom, a poeira baixou e saiu este bom exemplar de ação pra salvar o ano: pois das muitas esperanças de 2011, esta foi uma das únicas que cumpriu com a promessa.





Kung Fu Panda: 2


Melhor que Carros 2, sem dúvida.
Ah, e se continuar na mesma linha, pode ser a cartada da Dreamworks pra substituir o sucesso de "Shrek"
O Panda Po agora é o "dragão guerreiro", lembram?
Mas a nova vida “show de bola” que ele leva é ameaçada pela chegada de um terrível vilão, Lorde Shen, que planeja usar uma arma secreta e imbatível para conquistar a China e destruir o kung fu. Agora, Po precisa conhecer seu passado para descobrir a verdade sobre sua misteriosa origem – só assim ele poderá liberar a força que precisa para vencer.









Submundo

O filme tem uma boa trama. Nela, Luke Goss é Michael Savion, um policial exemplar que tem um irmão no mundo do crime, David.
Disposto a casar-se, David quer largar o submundo, e pede a seu irmão policial que o ajude.
Suspeitando de que David queira entregar todos para a polícia e sair ileso, o líder da Gangue, Zed, prepara uma emboscada para o rapaz, que é brutalmente assassinado.
Quando a polícia local onde o crime ocorreu ignora a morte de seu irmão, o intitulando como "um criminoso a menos nas ruas", Michael quer agora fazer justiça com as próprias mãos.
Apesar de algumas ceninhas forçadas, o filme vale a pena.
Só o que não vale a pena é 50 Cent aceitar um papel em que interpreta por menos de cinco minutos...


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 pode vir a se tornar a maior bilheteria de todos os tempos?



Pensem bem, eu acho que sim...

O longa tem potencial para isso.







TRAILER FINAL DE HP7: PARTE 2



Galeraaaa ...


Recomendo a todos que...
Naum percam !

quarta-feira, 22 de junho de 2011



JAY BARUCHEL



Eu estou começando a ficar mesmo viciado em fimes do Jay Baruchel. Desde que vi Ela É Demais pra Mim, notei que ele é um ator de ponta; Na verdade, não fui só eu quem percebeu isso, Hollywood também, pois vem o colocando em grandes produções como é o caso de O Aprendiz de Feitiçeiro, e Como Treinar o Seu Dragão. Um negócio bastante legal no cara, que me faz lembrar muito o Jason Statham, é que, mesmo já famoso, ele continua participando de filminhos "baratos". Isso é interessante. Mostra que além de ele saber de onde veio continuar humilde, ele olha primeiro pro roteiro do filme, e não pro orçamento.
Bom, até agora eu tinha visto o Jay em comédias; as vezes como mero coadjuvante - Ligeiramente Grávidos, Trovão Tropical - ou como o protagonista - Ela é Demais pra mim, e Aprendiz de Feitiçeiro (APRENDIZ NÃO É COMÉDIA, mas vai constar aqui porque ele protagonizou!!! kkk)
Qual foi a minha surpresa quando passava pela locadora e vi Jay Baruchel na capa de um filme de suspense ??

Puxa vida, desfiz meus planos de locação no mesmo momento para encaixar seu novo filme entre os alugados,
"O Suspeito Mora ao Lado"(Good Neighbours).
Por ele ser um ator caricato, é injustiça assistir a filmes de comédia dele dublados.
Pegue a interpretação real do cara no filme legendado! Primeiro que você vai morrer de rir porque não só de caretas vive um comediante, até a voz ajuda!!

Mas eu estou bastante ansioso pra assistir ese novo filme do Jay, minhas expectativas estão boas !!!



Jay Baruchel

Filmografia

2000 - Quase Famosos

2002 - As Regras da Atração

2004 - Menina de Ouro

2005 - Fetching Cody

2006 - I'm Reed Fish

2007 - Ligeiramente Grávidos

2007 - Um Negócio de Morte

2007 - Fanboys

2008 - Trovão Tropical

2008 - Nick e Nora - Uma Noite de Amor e Música

2009 - Uma Noite no Museu 2

2009 - The Trotsky

2010 - Ela É Demais pra Mim

2010 - Aprendiz de Feitiçeiro

2010 - Como Treinar Seu Dragão

2011 - O Suspeito Mora ao Lado






domingo, 15 de maio de 2011

III CAMPEONATO TUIUTI DE FUTEBOL






Inscrições: até 30/06

Idade Mínima: 14 anos

Valor: R$10,00 por time (R$ 2,00 por pessoa)

Local: Condomínio Tuiuti

(R. Cel. Fonseca, nº 2041)

Início: 02/07





Inscreva-se já,


Mandando um e-mail para:

tuiutieventos@hotmail.com

Contendo:

1. Nome;

2. Idade;

3. Posição em que atua (goleiro, zagueiro, etc..), para se realizar o sorteio dos times.


Exemplo de e-mail:

Assunto: Campeonato Tuiuti

No corpo do e-mail--->

Nome: Fulano da Silva

Idade: 18 anos

Posição: Goleiro




Maiores Informações pelo fone:

(14) 3881-3404















domingo, 20 de março de 2011

HARDLEVEL: A Morte Ganha um Novo Nome, por Bruno Sol

“Eles estão em toda parte”, “Eles estão entre nós”, “Eles...,

SOMOS NÓS” ...

HARDLEVEL: A MORTE GANHA UM NOVO NOME

À meu caro amigo Donizete Lima, pelo apoio e constância.

PRÓLOGO.. 4

EMBATE.. 12

Um Novo Embate. 30

3. A Morte Inesperada. 43

4. O Código. 54

5. O Novo Namorado de Letícia. 89

6. As Três Pessoas Hipnotizadas. 110

7. Íris Brainvich. 126

8. As Pirâmides Irmãs. 144

9. A Última Profecia de Amanttinis. 161

10. O Covil das Cobras. 165

11. “Deminstifus Maléfiquis Poderes!”. 178

12. Enquanto houver bem... O mal não pode dominar 187


PRÓLOGO

São Petersburgo

RÚSSIA, 2000


Um homem alto e alvo, com cabelos castanhos-mel, olhos verdes, corpulento, e um tanto giboso, se encarrilhava em direção do fim de uma rua sem-saída. Trajava um garboso terno vermelho, descomunal com a camisa preta sem ornatos.

Seu rosto pálido e suas olheiras profundas denunciavam, irrefletidamente, suas noites sem dormir. Ele parecia rastear à procura de algo, e tanto sua pressa como nervosismo eram fartamente aparentes.

O céu já estava da cor do ébano, e havia uma névoa gélida suspensa no ar; exceto o homem, não havia ninguém próximo dali num raio de quinhentos metros.

Ele deu mais cerca de oito passos e se voltou à direita, onde passou a examinar de modo esmerilhado um edifício largo e velho.

É aqui – sussurrou a ele mesmo.

Se aproximando dos portões, o homem abscindiu, sem grandes dificuldades, as correntes do cadeado que o cerravam.

Conseguia ser mescladamente silencioso e implacável; e, por mais incrível que pareça, sem levantar nenhum tipo de burburinho.

Nos jardins da dependência pôs-se a andar ainda mais rápido, até se deparar defronte a porta. Contudo, desta vez, sem nem se preocupar com a surdina de sua tarefa, a derrubou num barulho estridente e penetrante.

Seu trabalho seria efêmero. Por isso, não precisava mais contribuir com o tempo.

O local era um silêncio na calada da madrugada.

O homem foi se metendo por entre os cômodos vazios, dando seus passos frios e desconexos, até que, de um deles, surgiram duas mulheres que correram céleres em sua direção; uma delas velha de cabelos grisalhos e rebeldes, e a outra, um tanto franzina, mui aparentemente próxima dos trinta anos.

– “Menino mau, MENINO MAU” – rosnava a mulher velha em russo, parecendo muito mais querer brincar do que livrar-se da ameaça que brotara arrombando a porta.

A outra mulher, parecendo em alto grau mais sã que a velha, estraçalhou um antigo vaso artesanal nas costas do homem.

–Maldita! – ele urrou em tom abespinhadiço, a jogando contra a parede chapiscada da saleta escura.

A mulher caiu, desacordada, enquanto a velha olhava a cena como se achasse tudo muito normal. O homem a desmaiou também num gesto só, e continuou a se mover apressadamente pela casa; ele buscava por alguém, como um caçador se empenha em sua caça. E a sua, ao que tudo indicava, já estava demasiado próxima dali...

Existia uma luz acesa no próximo compartimento da casa; que se encontrava em diminuta quantidade por estar sendo depurada pelas cortinas de azul-cobalto do local.

Tudo indicava a nova divisão do edifício como sendo uma cozinha, pois o chão de soalho, e as paredes chapiscadas foram substituídas por pisos e pavimentos ladrilhados. A pia de granito abrolhava no cerne; e a geladeira vermelha e feia era mais uma das várias peças reliquiosas que a morada possuía.

Havia outro homem às costas do invasor nesta mesma pia, de cor trigueira e cabelos compridos, provavelmente a preparar uma refeiçãozinha fora de hora. Todo o lugar era tão grande, que seguramente ele não ouvira nada da balbúrdia do intruso com as mulheres que tentaram atacá-lo.

Num gesto rápido e imperioso, o invasor burlesco agarrou o homem da pia pelos cabelos e virou-o, como se quisesse ver sua face e realizar algum tipo de recognição.

–Não é quem procuro – reclamou o homem invasor, soltando as madeixas do infeliz que se apoiava na pia.

–Socorro! SOCORRO!!ele berrou em russo, como a velha, encarando lívido e de olhos arregalados os olhos verdes e miúdos do homem invasor.

Não... GRITE. – Pediu, virando o pescoço do outro, que caiu morto no chão gelado da cozinha.

O invasor demonstrava estar ainda mais desesperado, pelo que acabara de fazer, pelo que fizera antes, ou, talvez, por nenhum dos motivos anteriores. Mas devia se encontrar, neste momento, muito próximo do que fora buscar. Se ainda houvesse alguém ali, não estaria acordado.

Subiu as escadas de madeira do casarão, que rangiam por estarem quase podres. Eram ladeadas por um corrimão mogno, perceptivelmente mal-lustrado, que o levou até nove portas jeitosamente enfileiradas. Todas trancafiadas.

Contudo, havia uma chave grande e esférica de cor prata-ferrugem, pregada na parede ao lado da primeira porta. E o homem parecia sentir que aquela era uma chave-mestra, porque a pegou e começou a abrir as portas, uma a uma.

Porém, após a sexta delas, ele parou de modo imediato, pois já não era mais necessário continuar: estava ali quem ele procurava.

A arquitetura rústica que o lugar possuía, era novamente encontrada nos quartos, de um modo desregradamente abeatado. Como se tudo ali necessitasse rememorar a antiguidade.

As lareiras de barro cozido velhas e desusadas que aqueceriam o ambiente se ao menos fossem ligadas, pareciam mais fazer parte do embelezamento do espaço. Os tijolos à vista, que já iam perdendo a coloração laranja pitanga e ganhando mofo e bolor, davam aos quartos uma mescla de amável e lúgubre.

Mas este último quarto se diferenciava em algo dos outros pelo candeeiro ao pé da cama que iluminava, apesar da luz um pouco fraca, excelentemente o rosto do indivíduo deitado. O que dava a certeza ao outro de que estava prestes a cumprir com sua obrigação.

É você...clamava contente o invasor, que demonstrava em suas pálpebras quase mortas haver tido muito, mais muito trabalho, até que enfim chegasse ao homem na cama. – LEVANTE-SE. – Ordenou estranhamente cândido, quando seus lábios já se achavam ao pé do ouvido do outro. – Levante-se! É uma desonra matar alguém deitado!!!

Bem como os berros de grande sonoridade do invasor fossem um relógio despertador, o homem que jazia em seu leito, acordou.

–Bom, acho que vou ter que praticar o meu russo com você. Nenhum paspalhão aqui entende a língua que venho falando..

–Eu falo português – respondeu o homem que acordara há pouco.

O de olhos verdes soltou um risinho antes de falar.

Creio que você seja... Bóris Brainvich – asseverou o homem invasor, encrespando os lábios para simular um sorriso nefasto e sombrio.

E que você seja Amanttis – respondeu o homem chamado Bóris, com o mesmo tom e impetuosidade.

Como você... Ah, sim... Os presságios de meu irmão... Mas, muito bem, Bóris. Antes de seu terrível fim, por favor, me diga: Onde está sua linda filha?

Nunca “irrei” lhe dizer, seu “monstrro”!bradou, com um sotaque russo inegável, deixando a conversa que começara tenra, muito invasiva.

Amanttis era do dobro da altura de Bóris, um russo baixinho e descarnado. Por isso, seu olhar que ostentava um desprezo sórdido e depravado, o tornava estúpido e tosco, mas assustador.

BÓRIS, BÓRIS, BÓRIS... Vou deixá-lo escolher: morrer rápida e agradavelmente, se me contar onde a garota está; Ou morrer sofrendo humilhantemente, do modo que nenhum homem honrado gostaria de morrer...

Eu prefirro” morrer por minha filhateimou Bóris, que estava disposto a não se deixar intimidar perante Amanttis.

Seja como quiser... – rebateu cortando a conversação ao virar-se de costas.

Numa fração de segundos, em um ousado pensamento, Bóris sentiu que o momento era ligeiramente oportuno para se rebelar contra a autoridade que Amanttis, o sujeito intruso que queria a qualquer custo descobrir o esconderijo de sua filha, tentava cominar-lhe. Não obstante, antes que pudesse pensar em qualquer impulso adverso, o homem girou outra vez a ele, e, investindo, acertou um murro em seu estômago.

Bóris perdeu o ar.

Vamos, caro Brainvich... você não tem escolha... conte logo onde sua filha está...

–Não, NÃO!! – Exclamava o agredido firmemente, agora cuspindo sangue.

Meu irmão está a protegendo, não está? Por isso ainda não pude encontrá-la!

Você nunca “conseguirrá” “encontrrá-la”. Nunca... Ela está num lugar muito “segurro...

Estásegurra”, estásegurra”... – disse Amanttis debochando do sotaque grosseiro de Bóris. – IDIOTA! – intumesceu, dando um novo murro no homem. Agora em seu nariz.

–AHH!!! – Bóris uivou de dor, agora sem ser capaz de esboçar sequer reação.

Vamos! Levante-se, seu nojento! Ainda quer mesmo proteger sua filha?

–Sim...

Com ódio pela birra mentecapta de Bóris, Amanttis atingiu seu rosto com um chute, o que o fez permanecer no chão. Inda se não bastasse, susteve o único tranco do homem, na tentativa de levantar-se novamente.

O barulho começara a chamar a atenção do resto do casarão, mas as duas mulheres desmaiadas e o homem morto no andar de baixo não poderiam fazer nada. O astuto Amanttis trancou todos os quartos novamente depois que os abriu, e uns já batiam na prancha das portas, tentavam girar as dobradiças, desesperados.

Ignorando a violência das pancadas, Amanttis massageou seu punho de ataque com sublime delicadeza, agachando-se até a altura em que Bóris se achava caído, para proferir num tom apavorante e temível:

Olhe, Bóris. Tentei ao máximo facilitar as coisas pra você. Mas você não quis me ajudar. Então eu não vejo escolha, senão...

Você pode me “matarr”, continuar a me torturrarr”, mas não “terrá” nada que saia daqui... DA MINHA BOCA!rematou, chupando um pouco do sangue que escorria por seu nariz.

Amanttis olhou para o homem com olhar de reprovação, baixando os ombros, como se quisesse absolver-se de qualquer culpa, e sacudindo o rosto com muita força.

–Bóris, juro a você que NÃO queria fazer isso... Eu queria matá-lo de forma normal, como os humanos devem fazer... – disse, retirando um objeto dourado e pontiagudo do bolso. – Ham... Adeus, BÓRIS BRAINVICH.

Ele encostou a porta levemente e deu um empurrão no pobre russo, que caiu por sobre suas mãos, desmantelado.

O instrumento brilhante foi alocado por Amanttis nas costas do abatido Bóris, e, no momento em que fez isso, o objeto alvitrou sugar energia do ambiente, pois luzes do lustre no teto e no candeeiro se apagaram.

Houveram gritos.

Celeumas.

Berros agonizantes.

E apenas uma pessoa saiu viva daquele quarto.

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EMBATE

São Paulo

BRASIL, 2019

<Existe vida fora da Terra?”... Christian Salém, um jovem rapaz de cabelos negros sedosos, olhos castanho-escuros, e um cavanhaque para provar que já passara dos vinte, vestia-se com um capuz preto de borda escarlate e uma camiseta verde-limão com os seguintes dizeres: “O mundo acaba em 2019”, enquanto lia a mais nova e intrigante matéria do promissor José Alfonso Welasques, para o Jornal “Giorno News”.

– GRANDE BABOSEIRA! – Ele falou em alto e bom som, fazendo com que todos os passageiros do metrô parassem para observá-lo, apreensivos. Voltando a sua leitura, Christian estendeu o jornal sobre ele para talhar os olhares azucrinantes.

“Foi localizado um planeta-anão que possui as características mais semelhantes às do planeta Terra. Possui água em formato líquido (o que nunca foi localizado em outros), e temperaturas estáveis que vão de 0 a 40 graus. Os pesquisadores envolvidos, o sueco Barn Görks e o brasileiro Oscar Jansen, utilizaram um espectrógrafo com lâmpadas de arco voltaico que identificaram a estrela do planeta, que é de tamanho equivalente ao do sol. No entanto, o único elemento que torna um pouco desfavorável a existência de vida, é que não foram encontrados, até o presente momento, indícios de que haja desde moléculas precursoras de vida e micro-organismos que sobrevivem a várias condições, até civilização inteligente. ‘Mas os estudos não irão acabar’, afirma Görks. E pode ser que, um dia, nos deparemos com vida extraterrena...”

Fazendo cara de desacreditado, o rapaz amassou o jornal e atirou na lixeira.

O metrô rangeu e deu um tranco. Passava das quatro da manhã, e essa era sua primeira viagem do dia.

E era a saída de Christian...

O frio era extremo no amanhecer de um julho mais gelado que qualquer outro. E mesmo com sua touca, que era proporcionalmente quentinha e consolante, o vento glacial parecia resvalar em seu cérebro e continuar a flutuar por sobre o ar, enquanto corria para que não pudesse se atrasar.

Christian adorava falar sozinho, principalmente quando estava próximo de algo que quisesse muito.

–É hoje o Grande Dia...

Realmente era.

Pelo menos para ele.

Um dia consideravelmente memorável para um viciado em games com uma penca de jogos e consoles que possuíam um quarto só deles.

Christian possuía desde “Ataris” (porque não era apenas um, e sim muitos) até “Playstations seis”, passando por “Nintendos” e “Segas”. Contudo hoje, todas as atenções estariam especialmente voltadas para outro.

–Olha lá – o rapaz exclamou sozinho, quando viu um holofote eletrônico desse outro videogame, que pretendia adquirir em instantes, e atendia pelo nome de Hardlevel.

“Hard”, o mais novo dos lançamentos do bilionário mercado dos games, era um videogame que surgiu dividindo opiniões.

Os grandes desenvolvedores de jogos se surpreenderam com o novo aparelho, pois a concepção do projeto foi esplendidamente elaborada por apenas três homens, os brasileiros Marcelo Brandão (formado em ciência da computação), Fernando Lyra (ex-professor de modelagem, sonorização e edição 3D), e Luís Carlos Coutinho (técnico em construção de jogos, e produtor de web gamers). O restante da equipe especializada foi um grande mistério, pois a empresa nunca divulgou mais nomes ou participou de conferências de desenvolvedores.

Na realidade, Hard contou com muita sorte. Não fosse o vídeo que supostamente “vazou” – a despeito de muitos julgarem ter sido jogado de modo intencional – na internet, que seria de uma desconhecida empresa de games contratante de Brandão, Lyra e Coutinho chamada “Просмотр Игр” (algo como ‘Vision Jogos’), fundada na cidade de São Petersburgo, na Rússia.

O grande diferencial de hardlevel era a holografia. Por isso chamou tantas atenções para si quando visto por milhares de pessoas ao redor do planeta.

Claro que quando o vídeo emergiu, ganhando um sucesso pleno principalmente entre o público jovem, muitos deram pouco crédito, acreditando que a imagem holográfica poderia ter sido realizada por uma pessoa engenhosa e criativa, que lidasse bem o bastante com computação gráfica e um tanto de ilusão ótica.

Mas quando as notícias se espalharam por fontes melhores e mais confiáveis, o Brasil foi anunciado como sendo o primeiro país do mundo a receber a inovação. Esse grande mérito, segundo a empresa, foi atribuído ao Brasil por dois motivos: em reconhecimento ao país dos desenvolvedores do equipamento, e pelos alarmantes e estridentes níveis de desenvolvimento do país em meio aos anos, renderam a nação brasileira esse grande privilégio, que se tornou rapidamente um orgulho para os brasileiros, por ter sido o primeiro país do mundo a receber uma novidade.

Finalmente nosso país se achava numa boa fase, e tanto a entrada de Hardlevel como de muitas outras tecnologias ao país, faziam aos governantes nacionais sentirem-se como se estivessem cumprindo seu dever. Com certeza tal fato trouxe o interesse da empresa russa no Brasil. Tanto os grandes como os pequenos e prósperos investidores mundiais, passaram a ver o país com novos olhos.

Christian Salém era um dos irrequietos para conhecer logo o aparelho, que, por contar com fontes superiores as da maioria da população, conhecia a respeito da veracidade dos fatos a tempos, e sua ansiedade talvez fosse maior do que a de qualquer outro humano na Terra... Por isso, quando cessou seus passos em frente à loja, reluzia extasiação...

***

...Há meses guardava dinheiro por esse motivo.

Estava suado e ansioso quando chegou... Meteu a mão no bolso, pegou a carteira, e segurou-a como se sua vida dependesse disso...

A loja Gameshow, uma das maiores do mundo e quiçá a primeira do país a receber a novidade, estava indiscutivelmente magnífica e primorosa dominando toda a quadra com suas dimensões volumosas.

Sua porta espelhada de puro quartzo deslizou horizontalmente quando Christian se aproximou.

Todos os outros produtos lúdicos que a loja tinha a oferecer seriam poupados por causa de um único invento que atendia pelo nome de “Hardlevel”.

À medida que adentrava a loja, Christian começou a notar pendência entre a noite friorenta para o ambiente com perfeita calefação do ar-condicionado. Além de aconchegante, a Gameshow parecia ser mais bela por dentro que por fora: as paredes eram pintadas com um amarelo-ouro, por ora chamativo, porém delirante. Nelas ainda haviam porta-postêrs luminosos que exibiam banners de novos jogos. O corredor, que podia muito bem não ser citado, também não deixava de ser encantador; mas sua extensão, que parecia quase ininterrupta, começava a encher-lhe a paciência.

No entanto, inesperadamente, abrolhou uma nova entrada à direita, com um cartaz que indicava:

VENDAS DE HARDLEVEL AQUI.

Podia ouvir-se um grande falatório detrás das paredes do cartaz, e um misto de ânsia e júbilo já se comungavam nele.

Era mesmo inexplicável como podia estar tão feliz; e mais inexplicável ainda como podia um homem com mais de duas décadas de vida ser dono de uma paixão tão exagerada por videogames...

Christian adentrou no saguão da loja, e um brilho ofuscante atingiu seus olhos.

O rapaz ouviu uns certos ruídos que se pareciam muito com reclamações pela luz repentina, mas continuou andando; protegendo a vista com o antebraço.

Estava inteiramente decidido a permanecer peregrinando com o braço sobre o rosto, a menos que algo ou alguém o obrigasse a parar: o que realmente aconteceu.

Em sua marcha compelida, esbarrou em determinada coisa tão forte e sólida, que o derribou de súbito ao chão.

Ainda tonto pelo baque, Christian permaneceu remanso e sentado por alguns instantes. Foi quando a luz foi diminuindo, e ele guinou impetuoso e sobressaltado ao ver que tropeçara num brutamontes com um punho maior que seu rosto.

–“ tá querendo furar fila, né mano?! esfumaçava raiva um homem asselvajado, que devia ter mais de dois metros.

Eu?... NÃO!...

Então o que que tú tá esperando pra ir lá pro fim da fila, mané? – guinchou o homem, que parecia que iria engolir Christian cada vez que abria a boca.

Eu sei cara, mas eu...

Eu não quero saber! Você fura fila e ainda quer bater boca, “mermão”?! E não me chama de cara, porque eu não sou um cara!!

Christian ficou atônito com aquelas afirmações. Com as palavras que aquele homem gigantesco e assustador dizia. Mas o mais patético, o mais risível de tudo, era um cara, que falava que não era um cara. Era o quê, então? Uma moça, ou uma senhora...

Eu tô indo, já mesmo... – acautelou Christian bem rapidamente, sem querer causar confusão, pois podia apanhar a qualquer momento do cara que não gostava de ser chamado de cara.

Afastando-se do início da fila acentuadamente rápido, pôde assistir todos o mirarem com antipatia, como se ele realmente tivesse tentado furar alguma fila.

Recolheu a carteira ao bolso mais uma vez, e já tendo lidado com uns vinte olhares de indivíduos, uma outra voz, um pedacinho mais amigável, o fez parar.

–Salém?

Jonas? O que cê tá fazendo aqui, cara?

Ora, o mesmo que você... – contrapôs, de modo inócuo.

Quer dizer que você também resolveu vir no lançamento, cara?

Infelizmente. Se arrependimento matasse... – frustrou-se Jonas, também muito jovem, demasiado esbelto com seus cabelos loiros esturricados, e um traje extravagante e caro, que lhe dava um ar de elegante.

Não fale assim, Jonas... Tenho certeza que a espera vai valer a recompensa...

Tomara viu... Mas, mudando de assunto, foi você quem levou a bronca por furar fila lá na frente? Daqui de onde eu tô não deu pra ver direito...

Eu não estava furando fila, Jonas! – disse, evidenciando que era ele mesmo. – Foi aquele homem lá que disse, não sei o...

O Anderson?

Eu não sei o nome dele, só sei que, além de muito burrinho, é um covarde desmedido! Só porque é um pouquinho forte, pensa que...

Ô Salém, mas, espera aí só um minuto..., você vai ir lá pro fim da fila mesmo, como o Anderson pediu?

Pra começo de história, eu pensei que seria o primeiro a chegar aqui, mas parece que já tem mais de cinquenta pessoas aqui dentro, rapaz! – Christian observou, parecendo nervoso – Então vou ter que ir lá pra trás mesmo, sem confusão. Cheguei cedo, mas mesmo assim me dei mal, então não tem outro jeito...

Tem sim... – disse, enfiando a mão no bolso.

Jonas..., isso é pomada de invisibi...

Cala a Boca! – Jonas sussurrou. – Se me descobrirem com isso aqui eu vou preso, esqueceu?!... – reivindicou ao amigo, dando uma discreta olhadela para trás com intuito de ver se chamara alguma atenção.

Mas e eu por acaso posso saber qual é o planinho genial?

Claro: vá até lá atrás e passe a pomada. Um dedo já basta. Tchau.

Christian pegou a pomada se movendo calmo demais até que fosse o último da fila. Passou-a, e notou que a pigmentação de sua pele, e até suas roupas, perderam a cor.

Já cheguei – Christian segredou ao ouvido esquerdo de Jonas, logo que voltou.

Já? Que rapidez...

Vai logo pra trás!

Ah... desculpa... – balbuciou Jonas, indo ligeiramente para trás.

Hum... Agora sim... – o rapaz fez uma longuíssima pausa Jonas, agora eu fico visível de novo em quanto tempo? É a primeira vez que eu uso isso aqui sabe... – arguiu, colocando o potinho pequeno e simpático da pomada no bolso da camisa que Jonas usava.

Não sei...

–O quê?! Não sabe? Como assim...

Fala baixo... eu tô brincando... quantos dedos você passou?

Um. Como você mesmo pediu... – assegurou assustado.

Então mais uma meia-hora. Olha, as roupas aparecem primeiro, então quando começarem a ficar visíveis, eu te aviso.

Tá bem. Mas, e as pessoas? Não vão perceber quando eu ficar visível?

Daqui a meia-hora? Não... – Jonas garantiu tranquilo. – Agora só faça o favor de ficar um pouco quieto, porque aí sim vão começar a desconfiar.

Deixa comigo...

Jonas não voltou a falar, e Christian também procurou permanecer em silêncio por alguns minutos.

Alguns minutos... Alguns minutos sublimemente agonizantes para Christian. Conservar-se quieto enquanto invisível talvez fosse tarefa simples para qualquer um; mas para Christian, os poucos momentos que conseguiu, pareciam longos como uma eternidade.

O fato explicava ainda mais sua ânsia vitalícia com o lançamento. Era imensuravelmente grande. Era entediamento demais para aguardar por mais tempo parado.

Por isso o rapaz não se viu em outra posição senão a de declarar:

Jonas...

Que foi, meu? Você tava quietinho, e já voltou a falar...

Espera aí, só me escute um momento. Você acha que ainda tenho mais uns vinte minutos de invisibilidade?

Por aí. Um pouco mais, um pouco menos...

Olha Jonas, sinceramente, eu já não aguento mais ficar aqui parado esperando, se eu estou invisível. Eu posso entrar lá dentro, e ver o que estão fazendo que ainda não começaram as vendas.

Pode, claro. Mas eu não me arriscaria.

Mesmo assim eu vou.

Tá bom. Tchau...

Christian foi andando imperceptível e pé ante pé por entre as pessoas na fila. Às vezes, até esbarrava em alguém, mas como estava invisível, desconfiavam sempre de quem estivesse mais perto.

Ei, seu descarado! – berrou uma mulher, dando um tabefe num garotinho às suas costas quando um braço encostou em sua cintura.

O garoto ficou pasmo e atípico; mas decidiu não responder a moça porque não fazia ideia do que ela estava falando.

Christian soltou uns risinhos abafados, e continuou andando, agora de costas para ainda poder acompanhar a bronca e tanto que a mulher dava no pobre menino.

Sua mãe não te deu educação não, moleque atrevido?!

Mas eu...

Não venha se desculpar não, você...

Christian ria tanto, mais tanto, que não percebeu que as pessoas começavam a olhar para ele indiscretamente, e um simpático rapaz tentava passar-lhe alguma mensagem. Infelizmente, ele não deu atenção, e esbarrou num brutamontes no início da fila...

Você de novo, rapaz! – vociferou o mesmo cara mal-encarado e robusto da entrada de Christian no local; que, sem razões aparentes, parecia vê-lo nitidamente...

O rapaz olhou para suas mãos e tomou o susto do ano: já estava visível.

Ah, não... – exasperou Christian, funesto.

Ah não, é?! Agora eu te pego...

Porém, antes que o sujeito encorpado pudesse laborar, um barulho metálico de algo se fendendo surpreendeu a todos.

–Aí galera, a porta abriu! – Alguém gritou.

Não foi preciso dizer mais nada: a vultosa multidão se desfez em poucos segundos, e todos começaram a correr irrefreavelmente para adentrar no interior do salão, onde seriam feitas as vendas do burocrático produto que atendia pelo nome de hardlevel.

Christian aproveitou o tumulto para correr também, e se safar, desta vez por muito pouco, do acometimento raivoso e desembestado do homem.

Contudo, antes que qualquer um tivesse a chance de botar os pés no outro compartimento da loja, saíram cerca de oito ou nove homens do lugar, todos armados com *high-techs, que eram as novas armas governamentais cedidas à grandes corporações que recebiam aturadas multidões, com objetivo de conter essas grupos amontoados que sempre se acumulavam para compra de algum produto.

Essas armas exerciam uma hegemonia sobre os corpos, identificando indivíduos com sistema nervoso alterado e os imobilizando através de cápsulas que iam direto ao cérebro, contraindo os músculos. Quando a tonalidade cerebral se normalizasse, o conteúdo líquido contido na cápsula e a própria cápsula se dissipariam e desmanchariam na massa craniana, sem causar nenhum dano. Pelo menos, era o que diziam. Mas na realidade ninguém gostava de levar tiros na cabeça assim, de bobeira...

A permanência de todos paralisados (inclusive Christian e Jonas) foi longa.

Entanto, depois de um tempo até considerável, aquele apinhado de gente foi voltando ao normal.

– Agora esses malditos têm high-techs... – Jonas se indignou.

–Isso é ideia do governo, Jonas... – informou Christian, chacoalhando um pouco a cabeça para se livrar da tonteira que as high-techs causavam.

–Você já sabia disso?

O rapaz assentiu, e ao mesmo tempo pediu para que Jonas fizesse silêncio, pois um homem bem-trajado e sem high-techs, acabara de sair porta a fora.

“A compra do game hardlevel será feita individual e... Civilizadamente. Portanto, queiram voltar à fila anterior” – Esta foi a recomendação do subgerente da loja, um cara gordo e alto atrás de uma camisa branca perfeitamente passada, e a gravata azul-anil listrada de preto.

Como que por milagre, a fila regressou ao padrão primário, e agora sim não havia nada que impedisse o início das vendas.

Alguns já estavam furiosos, mas a fresca experiência já comprovara que inquietação não resolveria ninharias. Por isso, todos emudeceram de uma hora pra outra, como se uma assembleia relâmpago houvesse acabado de ser realizada.

–Estamos quase lá... – observou Jonas, tinindo empolgantemente, quando a fila começara a andar.

–Quase?... – questionava Christian verificando a mesma.

A verdade é que a espera ainda se prolongaria por um bom tempo; e uma verdade ainda mais clara é que nem o primeiro cliente, o de corpanzil bombado, saíra da loja.

A segunda pessoa entrou, a terceira, quarta... e a fila foi vagarosamente diminuindo.

Até que o primeiro comprador saiu com o produto em mãos...

–É impressionante! – fez questão de salientar o homenzarrão que despontou entre a multidão, o primeiro a adquirir o game.

Todos na fila passaram a olhar tensamente curiosos para o novo jogo, que era holográfico e portátil, como nos comerciais que foram do You Tube para a T.V. Vinha acompanhado de um tipo de “capacete”, que provavelmente deveria ser o objeto que ativava o cenário digital que hard tinha a oferecer. O prometido, é que o game transporta o dono à cena do jogo, literalmente. Ou seja, permite ao jogador interagir com o cenário tridimensional, como se fosse real.

O sujeito fortíssimo passava por todos radiante como um menino, aguilhoado com o capacete em seu rosto, soltando contagiantes risinhos de prazer.

Alguns ficavam abismados observando-o passar. Parecia mesmo se tratar de um videogame tremendamente formidável, talvez o melhor de todos os tempos.

As crianças da fila – que eram de grande superioridade às demais categorias de idade presentes na loja, obviamente – conversavam agitadas sobre o assunto tema. Talvez estas seriam as férias mais divertidas de suas vidas...

Mas a pergunta veraz a ser feita, era: Será mesmo que o jogo seria tudo o que parecia ser?... Ou não? Será que, talvez, todas aquelas pessoas estivessem esperando por algo que podia muito bem as impressionar, como as decepcionar...

Ainda era muito cedo para afirmar que a minoria de adultos a média de adolescentes e a máxima de crianças aprovaria o invento. A única coisa clara como a parafina era que o possível parecia impossível. E o que todos na fila ainda tinham a fazer, era esperar.

***

–Próximo! – resmungou um funcionário da loja. Parecia meio nervoso.

Era a vez de Christian. Friccionava as mãos sobre o rosto, freneticamente. Mesmo aos vinte e dois, as espinhas ainda o incomodavam. Tirou a carteira do bolso, e pagou com 3 *Cartões Grandes.

–Que cor prefere? – indagou o vendedor em um tom morbidamente automático, mostrando as três opções de cor de hardlevel: Prata, preto, e azul.

–Preto.

–A cor mais pedida. Não duvido que acabe em menos de vinte minutos. Vamos ter de aguardar mais da fábrica que o produz...

O gerente estendeu o produto a Christian, junto à nota fiscal.

–Obrigado.

–Obrigado a você rapaz, e... Bom Proveito...

–Será bom... – adicionou passando para fora da loja.

–Próximo!

Jonas ingressou, e Christian ficou do lado de fora, num banco de praça, até que o amigo saísse.

–Ele é menor que na T.V.... – censurou Jonas, desbriado, enquanto os dois caminhavam juntos pelo dia pulcro que clareava-se muito rapidamente.

–Ah, Jonas... Pare com isso... O que esperava também? Algo que minha mãe vivia dizendo era: Nunca acredite em imagens de propagandas. Podem lhe decepcionar...

Jonas deu uma risadinha forçada.

–Você já testou o cenário dele? O vendedor me disse que ele se aciona ao pôr o capacete.

–Ainda nem tirei da caixa – replicou em tom despreocupado.

–Nossa!... Esse nem parece o rapaz viciado em videogames que eu conheço desde a segunda série...

–Abro a caixa só quando chegar em casa.

–Por que isso? Alguma superstição? Ha, ha... Sobre essa aí nunca ouvi falar...

–Não, não é superstição nenhuma. Eu só quero me... Surpreender com esse jogo... Mas com um cara que fica desvalorizando o videogame na minha frente vai ser difícil...

–Puxa, mas... Que profundo, hein?... Então é melhor eu ir logo embora, porque apesar de não ter me “surpreendido” na primeira impressão, estou morrendo de vontade de jogar!...

–Haha... Eu não estou te dispensando também... Você sabe... – Christian contrapôs categórico.

–Não cara, eu tenho que ir indo mesmo... Meu carro está num estacionamento bem ali na frente. E você, tá a pé?

–A minha casa é na outra esquina, Jonas! – relembrou Christian.

–Ishi, é mesmo né, rapaz? Caramba, hein Salém... Realmente fazia um bom tempo que a gente não se via... – revelou Jonas, apesar de sua casa também não ser tão longe dali.

Os dois divertiram-se. Mas três anos não eram nada curtos.

–Então tá, cara. A gente se vê – disse Jonas.

–Pode acreditar...

Após um aperto de mão, Christian desceu lenta e ansiosamente as ruas do parque ecológico, próximo à sua casa, enquanto, a algumas esquinas dali, Jonas entrava em seu discreto Chevrolet.

Os dois colegas, não muito chegados um ao outro, nem imaginavam que iam ter de se encontrar novamente...

Um Novo Embate

Já eram sete e cinquenta da noite de sábado.

A prodigiosa lua minguante brindava a noite estrelada.

Um bonito parapeito à rua Eurico Dutra, próxima ao parque ecológico, debruçava umas cortinas que esvoaçavam devido ao fato de a janela se achar aberta, recebendo um vento contundente.

Christian Salém passara muito tempo ocupado dormindo e comendo, praticamente as únicas coisas que fez em seu laborioso dia de folga.

O rapaz pedira uma pizza de Baiacatu, que estava com uma quantidade exagerada de pimenta; acabou por causar-lhe uma indigestão, o obrigando a permanecer deitado o resto do dia, esquecendo inclusive de recostar as vidraças da casa.

Ainda um pouco descorçoado, se recostou no dossel de sua cama e pegou uma caixeta media e retangular em sua mesinha-de-cabeceira.

A abriu, com toda a cautela possível, para que a embalagem não fosse maltratada.

O pequeno embrulho resguardava três objetos: um videogame, um pequeno capacete preto com um visor diáfano, e um manual de instruções tão grande quanto um livro.

Sem utilidades no momento, capacete e manual foram deixados de lado. O interesse era o videogame, que era um console também preto, bonito, que possuía apenas um botão, bem em seu centro, com uma inscrição de “On/Off” aquém dele.

Era daqueles objetos que de bater o olho percebe-se que esbanjam tecnologia, design bem bolado, arquitetado.

Quando o botão foi pressionado, algo estranho invadiu o corpo de Christian Salém. Um leve arrepio, que foi do dedo até a ponta do pé.

Todavia, o rapaz não deu a menor bola para o simples choque, quando viu o menu holográfico do hard abrir-se à frente de seus olhos, superlativamente excitante escrito em português. O entusiasmo era tanto, que ele até leu em voz alta:

BEM VINDO AO MUNDO “HARDLEVEL

°Iniciar Jogo

Modo Carreira

Cenário Digital

Vs Computador

Batalha

Opções

Rapidamente, com a haste cilíndrica de metal que acompanhara o produto, Christian tocou no menu opções que surgira à frente de seus olhos.

Com tanta força, que tomou outro choque.

Ah! – O rapaz gritou. O segundo havia sido perceptível e intenso. Mais que o outro.

Ao mirar com zanga o videogame, pôde ler o seguinte:

ATRIBUTOS do GUERREIRO


Força:


Magia:


Vidas:

FASES do JOGO

Fácil°

Difícil°

Muito Difícil°

>>>>>>>>>>

Após as devidas reparações no menu de opções, sem querer usar novamente o lapisinho de metal, Christian tateou com o dedo, muito enternecido, no menu retornar, mas não suportou: Uma sensação horrível dominou-o, a ponto de formigar todo seu braço esquerdo. O rapaz atirou ao chão o maldito game com uma força, ao menos, exacerbada...

***

... Enquanto cuidava do braço recém-dormido, o telefone tocou. Era uma amiga, de nome Melissa. Ela era de uma beleza clara, sem exageros; uma pele bonita e corada, cabelos acaju, olhos castanho-esverdeados com pupilas pretas, e nariz angular e perfeito.

Melissa, na verdade, era mais que uma amiga... Se assemelhava mais a uma namorada, no entanto nenhum dos dois jamais tocou neste assunto. Não foi Christian quem a conquistou, e sim o contrário. Ele não era do tipo que corria atrás das mulheres. Era tímido, em termos. Melissa o ganhou com uma cantada fraca e cômica num réveillon que ele passou na praia do Boqueirão, em Praia Grande. No meio das danças na madrugada, e algumas bebidas depois, a garota surgiu na sua frente, simplesmente do nada, e perguntou corajosa: “Posso te dar o primeiro beijo do ano?” Christian aceitou no mesmo momento, e estavam juntos até então. A garota adorava ir à shows, e, a cada semana, fazia um novo convite para uma ida a dois, que nunca havia sido recusada.

Porém, pela primeira vez, Christian rejeitou o convite.

–Me perdoe Melissa, mas eu não estou com cabeça pra isso hoje, e ainda preciso resolver um assunto aí que me aconteceu... Então me desculpe, mas não tenho como ir – explicou o rapaz, em tom tenro e amável.

–O que é em Cris?... Você tá com outra, é? – replicou Melissa, sem a mesma fleuma.

–Como assim, com outra? Eu nem...

Melissa cortou.

–Como assim o quê? Você tá muito em cima do muro, garoto! Parece que tá querendo se afastar de mim?! Quer saber..., me esquece, tá bem?! Você não tem meu número mesmo...

–Mas... peraí... Eu só...

E desligou.

Simplesmente.

Sem mais nem menos...

Christian, claro, não entendeu nada.

Ficou atônito. Bravo, até, emburrando-se por bons instantes; Ele não deu um “fora” nela! E nem muito menos estava querendo se afastar dela!! Quem sabe agora, o rapaz tenha experimentado da mesma sensação do garoto que levou aquela mãe-bronca na loja, também sem saber de que se tratava e ficar tão pávido quanto ele.

Depois de esquecer um pouco o assunto, alongou o braço praticamente recuperado da dor e guardou o hardlevel na caixa.

Tramitou descortês até chegar a seu carro, e se dirigir novamente a loja Gameshow.

***

–Amigo, o videogame tá com defeito – disse Christian, manifestando-se descontente com os serviços da loja ao rememorar as dores anteriores.

–Me deixe versugeriu o vendedor.

O homem retirou o videogame da caixa, e o ligou.

–Ai! – Exclamou o próprio vendedor, arrufado. – Você derrubou água aqui, rapaz?

–Não.

–Não?... perguntou novamente erguendo as sobrancelhas, como num clichê de vendedores desconfiados.

–Não. – Christian voltou a subscrever.

–É só o joystick com defeito, ou o capacete também?

–Não sei, viu... Nem cheguei a testar o capacete. Vim logo que tentei jogar o videogame.

–Eu troco os dois pra você – afirmou o vendedor, condizente ao que prometiam.

–Tá bem.

Christian entregou a nota fiscal do produto, e aguardou a troca sentado num dos confortáveis banquinhos almofadados da loja, que, esta noite, já estavam inexplicavelmente vazios.

O caixa introduziu-se num corredor escuro, e um sensor de calor cuidou de acender as luzes no momento em que ele passou.

Porém, sabe-se lá por que motivos, o homem não trocou o videogame de Christian; voltou com o mesmo, apenas o empacotando outra vez com intuito de ludibriar astutamente o rapaz.

–Aqui está, meu caro... – disse o vendedor, soberano com sua ligeira esperteza. – Este já é o novo pacote do hard, e o lacre é bem firme, então tente soltá-lo com um facão quando chegar à sua casa...

–Tá bom.Iludiu-se Christian, sem suspeitar de exatamente nada.

–Tchau, tchau, jovem, volte sempre! – deliciou-se o caixa, que não havia devolvido a nota fiscal, e estava quase rindo na frente do garoto.

–É. Valeu...

Não com a mesma alegria do vendedor, Christian saiu da loja com cara de poucos amigos, entrando melindroso em seu carro.

“Que dia infeliz”, pensou consigo mesmo.

Saiu andando a esmo por alguns instantes, avançando pela noite insensível com seu Croma potente.

Se alojava nele uma espécie de hibridez que combinava opacidade e exaustão.

E nada, realmente nada, poderia impedi-lo de se sentir tão mal. Há dias que estava assim, mas disfarçava tão bem que ninguém ao seu redor desconfiava.

Não havia explicação! Porque ele, Christian Salém, um jovem moço com uma vida das mais perfeitas, se sentia indisposto daquela forma. Poderia acontecer a qualquer outro, menos a ele...

Cortando caminho entre uma estrada em construções, Christian dobrou na próxima esquina, chegando à sua casa.

No ensejo, Christian avaliou que uma boa noite de sono resolveria tudo. Por isso deitou na cama imediatamente, mas não conseguiu dormir na primeira tentativa.

Deu uns murros no travesseiro até que ficasse mais confortável, e puxou a coberta sobre sua cabeça; foi quando sua mente finalmente sossegou e parou de atormentá-lo um pouco, deixando que seus sentidos adormecessem.

Apenas na hora em que ele realmente pegou no sono, o despertador tocou.

Droga!... Chiou. Seu grito ecoou. Saiu bufando pela casa, e reclamando consigo mesmo. Estava bem melhor após a noite, não bem-dormida, mas, pelo menos, suavizada.

Christian odiava morar sozinho. Mas a casa vazia e silenciosa começou a se tornar algo tão corriqueiro, que ele nem mais reparava nisso.

Fazia um belo domingo lá fora, e tudo parecia calmo demais...

Tâ, tâ... O terrível som de sua campainha anunciava que havia alguém a porta rasgando o silêncio, há pouco instaurado.

Quando a abriu, deparou-se com um homem alto e louro, com expressões um tanto vazias, dono de um Chevrolet discreto...

–JONAS! Mas que... Surpresa!! A que lhe devo esta visita? – inquiriu Christian, em tom amigável.

–Assuntos, amigo, assuntos...

Christian franziu a testa, pois não compreendeu bulhufas da colocação de Jonas. Mesmo assim, abriu a porta e ele entrou rapidamente.

–Sente-se – ofereceu. – Quer tomar alguma coisa?

–Não, obrigado – redarguiu Jonas, sentando-se numa poltrona de couro vermelha, à frente de onde Christian se sentou.

–E então Jonas, o que te traz aqui? – perguntou Christian, intrigado, mesmo sem denotar que estava.

Já eram quase catorze anos de uma amizade completamente estranha, em que, ambos, quase nunca se visitavam, com exceção da memorável infância, a época em que a amizade se ascendeu entre os dois; no entanto, passando a meninice iam se afastando cada vez mais enquanto cresciam.

Jonas respirou fundo antes de responder a pergunta de Christian:

–É algo com o hard.

–O quê? Já está em alguma fase avançada?

–Não, não é isso. Eu estou começando a achar que esse videogame é... Diabólico...

Diabólico?!...Como assim, cara? Não estou entendendo...

Christian pode perceber um leve suspiro do amigo quando continuou.

–Periodicamente, enquanto jogava, sentia que o videogame levava um pedaço de mim. Como se estivesse me... SUGANDO!

Christian susteve-se para não rir.

Mas a conversa parecia séria demais para gozações.

–Ô Jonas... Mas... Isso é impossível! Um videogame sugar o... Espírito de um indivíduo!! Não acha que está exagerando? Só um pouquinho...

Jonas o fitou como se desejasse que o mesmo acontecesse a ele, para que pudesse sentir o que o amigo tentava provar.

–Christian... Ainda estou me perguntando o que vim fazer aqui. Pensei que você ia tentar me ouvir, mas, pelo que vejo, você é exatamente como os outros.

–O que quer dizer com esse... Outros?Christian interrogou, antiquado.

–Os outros a quem contei sobre isso. Bem, acho que então é melhor eu ir indo, antes de me decepcionar mais...

Houve uma pausa onde Jonas olhou rapidamente para Christian, e se levantou.

–Então porque veio aqui? Se já sabia o que eu ia fazer...

Jonas parou antes de abrir a porta, e recuou novamente para o colega.

–Porque, por ser tão bobo, achei que você acreditaria em mim!

Antes de Jonas se voltar mais uma vez à saída da casa, Christian mandou:

–Me faça um favor, vai. Senta de novo aqui... eu odeio falar sentado com alguém de pé...

Jonas fez cara de desgosto, mas se sentou de novo.

–Se eu não tivesse pedido dispensa do trabalho, eu voltaria agora mesmo... – Jonas falou, mas tão baixinho que Christian disfarçou não ter ouvido.

–Tudo bem. Suponhamos que você foi mesmo “sugado” pelo videogame. Mesmo que eu ache isso um pouco impossível...

Jonas lançou-lhe um olhar ferino.

–Tá bom... Eu vou acreditar por um momento que isso realmente aconteceu... – disse Christian, com muito esforço. – Vamos lá: Neste momento, vamos pensar que Eu sou Você. E estou jogando meu hardlevel quando... Espera aí, como você sentiu que estava sendo sugado?...

–Ele tentava tirar algo de mim... Eu não sei explicar como e porque, mas há alguma coisa nesse videogame que não era para estar lá... – afiançou Jonas, sua voz estava trêmula.

Christian não sabia muito ao certo o motivo, mas a história engraçada começava a dar-lhe arrepios...

–Bom Jonas... pra ser sincero, eu também tive uma experiência estranha com o hard. Tomei alguns choquinhos desagradáveis, mas era só defeito. Eu até já troquei na loja. Mas no seu caso, eu não sei. Me parece que..

–Christian, eu estou bem.

–O que disse?perquiriu Christian, pesquisando e tentando ler as expressões do amigo, os músculos do rosto diferentes de antes, muito mais... Seguros.

–Eu estou bem! Isso tudo não passou de uma brincadeira. Olhe pra mim, eu estou ótimo!

–Mas...

–E você caiu direitinho, amigão!

Christian olhou estranhamente para Jonas. Tanto sua voz como fisionomia completamente dessemelhantes de quando chegou...

–Sinceramente, agora eu já não acredito que tudo isso seja uma brincadeira! Você...

–Pois foi! – rebateu Jonas, ignorando a frase que Christian não conseguiu terminar. – Bom, eu já vou indo, porque estou... Atrasado pro trabalho...

–Disse o quê? Atrasado pro trabalho? Eu lembro de ter te ouvido falar que pediu dispensa hoje...

–Não, mas... Eu tenho que ir. – estabeleceu Jonas, sem ao menos responder a pergunta de modo refletido.

E, sem mais, se levantou e saiu da casa.

Christian achou todo o episódio muito estranho. O amigo havia tido alterações de humor: de completamente confuso e temeroso, partiu para um tão alegre, incontido (como Christian, sinceramente, nunca o viu) que parecia estar embriagado. E Christian sabia, – pois, apesar dos poucos contatos que foram tendo durante os anos, ele conhecia o amigo há mais de dez – com toda a convicção do mundo, que aquilo não era uma brincadeira. Não era.

Havia alguma coisa errada com Jonas.

E ele iria passar a limpo toda essa história.

3. A Morte Inesperada

Ele ainda estava um pouco atordoado com toda esta história envolvendo hardlevel, porém, se encontrava atrasado para o emprego. Christian sentia que ser dono de uma famigerada video-locadora como a sua era algo inconcebível para alguém tão jovem como ele. Chamava-se J.S.V.

Chamou-se, mais bem dizendo, Sétima Arte, mas após a morte de seu pai, há três anos atrás, a mudança para José Salém Vídeos veio a calhar. Uma homenagem; esta era sua forma de mostrar todo o respeito que ele tinha pelo homem que fundou tal empresa, e que, acima de tudo, o criou. O trabalho de seu pai se precipitou sobre ele, o caçula dos filhos, pois os outros seguiram diferentes profissões.

Com uma pressinha, o rapaz pegou um hambúrguer requentado que havia “dormido” no microondas, saiu veloz até o carro e o comeu enquanto dirigia até a locadora.

Christian se envolveu em seus pensamentos.

Por alguns breves momentos, de João Rodrigues Prestes à Avenida Euclides, ele repassava pesaroso em sua mente o estranho fato que presenciara a pouquíssimos momentos. Era muito estranha a história de Jonas, muito...

–Puxa, mas que demora em Salém! – Se arriscou em arquejar o mais autoritário dos funcionários logo que o chefe chegou, sem receios de sua resposta.

Christian, apesar disso, não disse nada. Passou por todos eles, e apenas abriu a porta.

O interior da locadora era de bom gosto. Donairoso e amoldado. Chegava a ser aconchegante. O requinte em cada quina acúleo e vértice, em cada cômodo em que se dividiam os variados gêneros de filmes. As prateleiras, que mesmo sempre sendo esvaziadas, dificilmente não se encontravam cheias dos mais diversos lançamentos.

A loja era dona de muitos clientes, a maioria deles, já assíduos. Um pouco da notoriedade era devida às interessantes promoções, sim, que a elevavam a um alto grau de primor. Algumas já antigas, da época de seu pai, outras recentes que ele mesmo e seus funcionários planeavam durante o ano, porém todas congruentes e autênticas. Uma delas, imutável e invencível, consistia no seguinte: O cliente com o maior número de locações no ano tinha direito a cinco grátis no fim dele.

Em outras palavras, o bom trabalho que só crescia ia prosperando cheio de dedicação, que é o sinônimo e a chave para o bom negócio. Christian só tinha o papel de continuar o legado de seu pai, e trabalhava nisso porque gostava. Sua única falha o relacionando a José Salém, era a falta de amizade quanto a seus empregados.

Aliás, ele tentava... Mas embora tentasse, não adiantava em nada. Não se dava bem com ninguém em seu ambiente de trabalho.

Todos ali dentro adoravam seu pai. Mas tinham sumo conhecimento – pois por já estarem a par da informação, já que o próprio José os tinha informado – de que quando ele viesse a falecer Christian o substituiria. E quando isso aconteceu, bem antes do previsto, ficaram completamente abalados. Dois até se despediram...

Mas ainda que o agora patrão Christian Salém ansiasse por mandar todos embora, não podia fazer isso.

Não queria fazer isso.

Aí o coração falava mais alto que as decisões convenientes a ele mesmo: o que seria de alguns, ou melhor, de todos eles? Provavelmente, não encontrariam outro emprego, o que acarretaria alguma falta financeira em suas famílias. Porque cada um dos que trabalhavam ali, fora ele, eram homens de família; Christian era forte. Poderia muito bem suportar algumas briguinhas aqui e ali, contanto que não fosse nada que excedesse as estribeiras...

Além do mais, seu pai em vida ficaria muito desapontado em demitir quaisquer de seus amigos.

***

Quem sabe se contado a alguém, o modo de pensar de Christian despertasse algum tipo de curiosidade por parecer copiosamente paspalhão. Mas, em sua mente, algo o implorava para que não despedisse nenhum deles..., por isso, toda vez que surgiam as benditas brigas ele dizia a si mesmo: “Tenha Piedade”...

...E, até hoje, seu plano da piedade nunca dera errado. ATÉ HOJE...

–AH... Cala a boca, Salém, eu já não te mandei calar!! – exigiu irritado o mesmo funcionário que o tratara mal na entrada, nervoso com uma repentina ordem, que acabou num bate-boca.

Christian tentou o plano da piedade, mas não deu nada certo:

–Senhor Lemos disse Christian, sempre muito educado, até com o mais reles empregado.

–Fala, seu mané!... – respondeu, olhando para os colegas, que pareciam não apoiar a ousadia.

–Está despedido.

–Perdão?

Está despedido! – Christian incrementou rispidez em sua voz.

–Mas... Senhor Salém, eu...

–Sem mais, Senhor Lemos. O senhor não é mais meu funcionário.

–Eu... Eu...

–Guarde suas palavras, por favor, Senhor Lemos.

Lemos vistou o chefe com olhar de remorso, e se ateve como o mesmo pediu.

Não desejou nem ficar até o fim do expediente; destituído de sua função, foi-se embora, prometendo voltar no dia seguinte para buscar a quantia em dinheiro que era sua por direito.

–Desacato... não será mais aceito! – brandiu Christian logo depois da saída de Lemos.

Um cliente entrou meio desorientado, durante a repreensão do chefe. Dois ou três funcionários foram atendê-lo, para quebrar um pouco o clima.

O que Christian queria, de uma vez por todas, era acabar com a rotina ruim que vinha se decretando com o tempo, e firmar um novo ambiente de trabalho a partir de então.

–Se houver algum problema, Bernardo... Avise aos outros que estarei na minha sala.

O silêncio cuidou de se acomodar entre os empregados da loja, salvo aqueles que atendiam ao cliente chegado há pouco. Ficaram pasmos, se entreolhando, como se tivessem sido paralisados por alguma coisa; até que um deles quebrou o ambiente estático, ao se dirigir a cafeteira por comando de voz e tomar uma porçãozinha da bebida.

Já Christian, neste momento se achava confortavelmente assentado na poltrona-trono que um dia pertencera a seu pai, e estava prestes a estrear, finalmente, seu hardlevel.

Seu amor por jogos era incondicional. Ainda mais uma novidade, uma moderna tecnologia. Por isso Christian adorava tanto videogames. Era quase como um instinto: um impulso dificílimo de se controlar.

O retirou da caixa, cintilante como um curumim, e o ligou.

–AH!!! – O mesmo choque que o invadiu na primeira vez que o ligou, voltou a ele...

...TOC, Toc, toc.

–Entre.

–Algum problema, senhor? – investigou um de seus funcionários, apreensivo.

–Não, não. Meu grito foi muito alto?

–Foi sim Sr.

–Me desculpe Elias. Volte ao trabalho.

–Sim senhor.

Elias fechou a porta levemente, e saiu a passos largos.

Christian voltou os olhos para o videogame. O seu Ódio Contra a Máquina estava se intensificando. Já era a segunda vez que ocorrera o mesmo problema.

Nervosíssimo, o rapaz guardou o videogame na caixa e começou a pensar no exato momento em que fez a suposta troca na loja. Ia voltar lá. E ia agora.

–Mas... Senhor Salém!... Quem vai gerir a loja no seu lugar... Enquanto estiver fora?–Você. Pode fazer isso por mim, Marcos?

–Eu?! Claro!! Mas, e se ocorrer alguma confusão? Como eu procedo?? – Questionou Marcos, ainda muito surpreso.

–Como quiser. Você estará literalmente no meu lugar. Quero que aja como sentir correto.

–Deixe comigo, Sr Salém.

A gentileza de Marcos foi respondida com um sorriso discreto e rápido, que quase passou despercebido.

Entrando no carro e ligando com pressa a chave de ignição, o rapaz deslizou até a Gameshow.

Ficou inconformado à medida que ia se aproximando, uma vez que o quarteirão da loja estava fechado com uma placa de “rua em construções”. Voltou algumas quadras, e guardou o carro no estacionamento mais próximo dali.

A tarde muito formosa e quente exigiu seu ray-ban, que normalmente penava no porta-luvas do rapaz nestes mesmos meses todos os anos.

A temperatura agradável, gostosa, normalmente atraía multidões para o centrão de São Paulo.

Exatamente por isso, Christian achou muito curioso o fato de a rua estar tão inóspita.

O percurso do estacionamento até a loja, mesmo sendo curto – não passavam de três quadras – reservou-lhe uma surpresa nada agradável.

Enquanto manejava o videogame defeituoso, alguém o surpreendeu:

–Ei... me passe o seu hardlevel, ou eu enfio esta faca nas suas costas – silvou uma voz desconhecida, demasiado ameaçadora.

Christian sentia a lâmina cortante da faca tão colada em sua pele, que tinha absoluta certeza que qualquer movimento brusco a alojaria dentro de seu corpo.

–Espere rapaz... não vamos nos...

–Me passe... Agora! – irritou-se o ladrão, que parecia não querer rodeios. No entanto, seu tom de voz parecia ainda mais baixo.

–Claro – acalmou Christian. – Mas seria mais fácil se você tirasse essa faca das minhas costas. – sugeriu.

Christian sentiu, lentamente, o instrumento cortante se afastar de sua pele. No mesmo momento, uma mão se estendeu até onde ficou bem visível à seus olhos.

–Quando eu disser três..., você vai colocar o seu hardlevel em minhas mãos... Sem Graçinhas...

Christian não fez nada senão assentir.

–Um... Dois...

–PARADO AÍ, SEU IDIOTA! – Urrou outra voz desconhecida, às costas de Christian.

Mas era tarde demais: Christian já havia posto o videogame nas mãos do ladrão, que saíra correndo tão velozmente, que driblou fácil o policial que tentara impedi-lo...

***

–... Me perdoe, jovem. Eu não consegui pegá-lo... – desolou-se o policial, um tanto velho, insatisfeito com ele mesmo. – Bandidinhos de uma figa! Aproveitam a falta de movimento para praticar seus desprezíveis atos!

–É tudo assim mesmo... Mas não se culpe nem se incomode, viu? O senhor fez o que pôde. Eu mesmo vi...

–É... fiz sim... Falando nisso, você não quer ir prestar nenhuma queixa na polícia? Apesar de que, com todos esses avanços, é possível fazer um B.O via celular...

–Não, não é necessário. Muito obrigado, Senhor...

–Nélson. William Nélson – respondeu o policial, enxugando o rosto suado com um pano sujíssimo, que parecia já ter sido usado várias vezes.

–Policial Nélson, o senhor por acaso sabe o motivo daquele tumulto, bem ali? – questionou Christian apontando para a próxima esquina, onde havia um conglomerado contornando toda a loja Gameshow.

–Ah sim, meu caro... – o velho policial parou por um momento, provavelmente para respirar – A loja FALIU.

–O quê? – Christian insistiu, por ser estranha a seus ouvidos a última palavra que ouvira.

Faliu, Quebrou, Acabou, ou seja lá qual outro sinônimo você queira usar...

–Não, não pode ser... A Gameshow?... Você sabe... Por quê?

Contaram-me que os fabricantes desse “hardilével” – o policial deteve-se novamente – É assim que chamam o joguinho, não?

Christian concordou para que o policial pudesse prosseguir.

–Então, como eu ia dizendo, o fabricante desse videogame, não mandou novos exemplares do jogo aí para a loja. No entanto, a clientela o procurando não acabou mais rapaz! Soube que não iam a loja procurando... Outras Coisas. Apenas esse “hardilével”. Só ele... Aí aconteceu que os pedidos foram aumentando, aumentando, e os “hardiléveis”, diminuindo.

As reclamações a respeito dessa loja estavam muito grandes garoto, além do mais ela era a única loja em todo o estado de São Paulo a vender esse videogame! Queria mais o quê??

Até que a loja finalmente decretou a falência. Claro que não é só por isso que uma loja decreta a falência de um dia pro outro, tem, com certeza, muitos outros motivos que escondem da gente.

–Quer dizer que eles não tinham mais hardlevels?

–Não. Desde ontem à tarde, comentaram no meu bairro, que fica a umas duas esquinas da loja.

–Mas ontem mesmo ele foi lançado! – Christian exclamou surpreso, em tom sutural.

–Pois é. Não durou nem um dia...

–Nossa... pelo menos isso pode explicar meu videogame... – Christian recordou o momento em que o vendedor fingiu ter pego outro hard na despensa da loja.

–Como disse?

–Não... nada... Mas, e o senhor?... É mesmo um policial? – mudou de assunto o rapaz.

–Na verdade... Não. Não sou mais. Ah sim... o meu uniforme não é?... – continuou William, quando percebeu que Christian fitava suas vestes, sem compreender – É emprestado!... Custou um certo tempo até que o pessoal do departamento me deixasse vestir isto aqui novamente, meu caro... – comentou, orgulhoso do fardo azul que vestia.

–Então o senhor não é policial. Mas, por que você...

–Não, não sou. Agora sou apenas um “ajudante da lei”. Assim como creio que você seja, e que a maioria das pessoas deveriam ser...

–Mas eu não entendo porque o senhor ainda anda com esse uniforme. Não acha, sei lá, um pouco... Arriscado, para alguém como o senhor?

Arriscado? Creio que não, meu rapaz. Não são as pessoas que estão dentro dele que precisam se sentir em perigo, e sim as que estão fora, e não cumprem as normas.

–“Se é assim que pensa”... – sibilou Christian, em voz substancialmente baixa.

–Disse algo?

–Eu? Não...

...Num lugar assaz distante dali, a tarde já começava a findar e o céu nebuloso, vestido de nanquim enigmático começava a surgir. A agradável praça central, um pouco apinhada de gente, punha-se lentamente a ser evacuada devido ao tempo encoberto. Porém, no meio de todos, Jonas Anderson tentava gritar...

Socorro! Aqui, Socorro!”... embora gritasse muito, ele não saberia explicar se questionado porque seus gritos saíam... Abafados.

Estava no meio de um aglomerado de pessoas, mas parecia estar invisível. Ninguém o ouvia ou via; Jonas estava... MORTO.

Há pouco tempo atrás, ele viu seu corpo levantar do banco onde estava sentado, jogando o game hardlevel, e sair andando, sem ele. Jonas tentou segui-lo, mas ele se perdeu em meio a multidão.

O rapaz não tinha ideia de como havia acontecido isto: como sua alma havia sido separada de seu corpo. Mas, consigo, havia um pequeno palpite, sobre quem havia cometido horrenda maldade: HARDLEVEL.

4. O Código

Christian Se Despediu do excêntrico velhinho que usava roupa de policial, e conferiu no relógio que já eram incríveis sete da noite. Ainda teve tempo de voltar a sua locadora e trabalhar até as nove, o horário em que fechava.

–Até amanhã senhor Salém, e obrigado... – agradeceu Marcos, que ficara um pouco mais do que os outros funcionários resolvendo um problema no retro projetor que passava trailers de filmes na locadora.

–Obrigado pelo quê, Marcos? – quis saber Christian.

–Por acreditar em mim... – expôs, grato.

Christian ficou feliz e inseguro por alguns instantes, até que respondeu:

–Isso não foi nada... E pode acreditar que esta não será a última vez que eu vou precisar de você gerenciando a loja em... Então, até amanhã, Marcos!

–Até, senhor – Marcos redarguiu, empolgado.

Enquanto os dois se afastavam, Christian ainda ofereceu:

–Você quer uma caroninha? Se quiser, vamos...

–Não é necessário senhor. Meu ônibus vai passar em menos de dez minutos.

–Você é que sabe...

–Não precisa. – Obstinou Marcos, ainda estranhando um pouco a mudança de postura do chefe.

–Tudo bem, se cuide em rapaz! – rematou Christian, impassível.

–Pode deixar...

Ele entrou no carro, e ligou o rádio para ouvir algo enquanto dirigia. Sentiu-se afortunado e jovial. Se havia despedido alguém no dia de hoje, pelo menos começara a condescender em amizade com algum funcionário.

Atingiu os portões de sua residência na rua Jamil Martins número mil e cento e doze, mais conhecida por se localizar próxima ao parque ecológico.

Enfiou o carro de modo expresso na garagem para cruzar o gramado correndo, a fim de se abrigar contra o frio abaixo das cobertas aconchegantes de sua cama.

Entretanto, por incrível que pareça, sempre que tentava fechar os olhos, se lembrava de Jonas.

Ele recordou que devia uma ao amigo. Prometera a si mesmo averiguar toda a estranha constituição ligada a hardlevel... Mesmo com o forte vento que se comprimia no vitrô de seu quarto, e com a ligeira sensação de que hoje teria uma ótima noite de sono...

***

O closet abarrotado de roupas que Christian quase nunca usava.

Decidiu saborear umas delas, nesta noite friorenta.

Quando se encarou novamente no espelho, casaco, cachecol, calças de linho. Estava completamente vestido para penetrar no crepúsculo.

Ligou para uma outra pessoa, pois tinha de ter certeza que a rua e o número que tinha do amigo ainda eram os mesmos, pois ele obviamente poderia acabar dando com a cara na porta. Era esmo que ele acreditava que Jonas não tivesse mudado de casa até então. Mas preferia prevenir que remediar.

Pegou as chaves do carro, e saiu.

Começara a chover enquanto Christian dirigia, e foi necessário que ele ligasse os pára-brisas, pois além da chuva, uma densa névoa colava em seus vidros.

Ele esperava que a mãe de Jonas ainda estivesse bem acordada, porque ele odiaria ser desagradável numa álgida noite de inverno...

–Senhora Anderson?

A mãe de Jonas apertou os olhos, afundou os óculos no rosto, e viu que era a pessoa que ela realmente imaginara que fosse.

Christian?... Eu... Não acredito... Entre, filho!!!

–Me perdoe o incômodo, Sra. Anderson. Tanto tempo que nós não nos vemos, e eu venho aqui num horário destes...

–Incômodo? Não diga isso, Christian! Eu estou completamente lisonjeada em recebê-lo! Quanto tempo, querido!... – exclamou a Senhora Anderson, que mesmo já passando das dez da noite, parecia extremamente contente com a visita imprevista. – Entre filho, entre! Está muito frio para ficarmos parados aqui fora, não acha? – perguntou num tom amável enquanto espaçava a porta para que Christian pudesse entrar.

–É, está sim...

O rapaz adentrou o mesmo antigo doce lar da família Anderson, e apreciou ao entrar a suntuosa lareira de mármore ao centro, que mesmo um tantinho gasta permanecia imponente como peça principal da sala. Um confortável estofado verde-abacate coberto de almofadinhas de diversas cores disputava a primeira posição com a lareira, e as cortinas brancas de renda terminavam por deixar tudo angelical.

A Senhora Anderson convidou-o a sentar-se, trazendo uma bandeja com alguns sanduichinhos e duas xícaras de chá de erva-cidreira.

–O Jonas não está? – averiguou Christian de modo prospectivo, percebendo a ausência de uma xícara.

–O Jonas... Ainda não chegou – disse a Sra. Anderson, jogando os cabelos louros e engraxados como o do filho para trás do rosto – Ele saiu logo pela manhã... mas não voltou até agora.

–A senhora já tentou ligar pra ele? – perguntou Christian, tomando uma boa dose de chá.

–Sim. Ninguém atende... – Ela olhou para o quadro onde o filho sorria, e continuou – Algo Aconteceu. Ele nunca fez isso. Nunca...

–Senhora Anderson, se for o caso, contate a polícia – sugeriu Christian, preocupado.

Porém, no momento que disse isso, a porta se abriu às suas costas.

–Filho! – bradou a Sra. Anderson – Onde esteve?!

–Por aí – respondeu Jonas, mas a resposta não agradou em nada sua mãe. De um pulo, ela saiu do sofá e foi até ele, parado ao pé da escada.

–Jonas... olhe para mim. OLHE PARA MIM! – ordenou a mãe, quando o filho parecia ignorar seu pedido. – Enquanto estiver sobre este teto, você nunca... Nunca mais irá fazer isso. Você me entendeu?

–Claro... – contrapôs, parecendo irônico.

Jonas parecia evitar o olhar da mãe. Subiu as escadas e nem falou com Christian, como se não o conhecesse. A Senhora Anderson se virou, e percebeu que havia gritado com o filho na frente de seu amigo.

–Oh, Christian... perdão por isso... eu não deveria ter falado assim com ele, e...

–Não, Senhora Anderson. – Christian firmou com seriedade. – A senhora está mais do que certa de brigar com ele. Ele é quem não devia ter te preocupado desse jeito! Será que não se lembra da ocasião em que perdeu o pai num acidente de carro, e...

A Sra. Anderson quase chorava.

Christian sabia o porquê. Quem era ele para se atrever a tocar no assunto da morte de seu marido? Quem??

Envergonhado com sua própria petulância, o rapaz pensou em algo rápido para que pudesse sair da sala.

–... Eu vou falar com ele... – sugeriu, se retirando alcantilado.

... “TOC, toc, TOC”...

Jonas, posso entrar?

–Sim. – Uma voz antipática se fez ouvir do lado de dentro da porta.

Quando Christian a abriu, contemplou o quarto mais bem-arrumado que já vira na vida. Seu amigo havia mudado!

Ele nunca foi arrumado!

Uma das coisas que faziam com que Christian conhecesse Jonas onde quer que ele fosse era sua desorganização.

Então era possível perceber uma notável diferença entre a infância de Jonas e a fase adulta.

O garotinho desarrumado parecia ter se tornado um homem dos mais asseados.

Christian procurou recordar as várias vezes que o amigo era repreendido por sua mãe pelo quarto tumultuado.

O Seu Quarto não é assim, né Christian?

Não” – Ele sempre dizia. Embora nunca fosse verdade...

Christian?

O rapaz voltou ao quarto.

–Fale.

–Fale você. Por que veio aqui? – perguntou Jonas, ranzinza.

–Ora essa, eu fiquei preocupado com você, depois que foi a minha casa e falou tudo aquilo...

–Eu estou bem.

–Está? – questionou Christian, recognitivo.

–Estou.

–Por que veio tão tarde? Quando eu cheguei, sua mãe estava morrendo de preocupação.

–Eu tive um... Compromisso. – Apesar de curto, Jonas respondia torpe em demasia.

–Sua mãe disse que você não atendia o celular – Christian contra-atacou.

–Estava desligado.

–Não faça mais isso, Jonas. É o meu conselho a você. Não tem ideia do quanto sua mãe ficou nervosa.

Isso não importa.

–O que disse?

–O que importa é que estou bem – continuou.

Christian não estava conseguindo compreender o amigo. Ele parecia tão... Insensível...

–Jonas, acho que você precisa ficar um pouco sozinho.

Concordo Plenamente.

Neste momento, ele sentiu vontade de dar um soco em Jonas. Antes de tudo queria ajudá-lo, mas o amigo não dava à mínima.

Desceu sem se despedir e deu um forte abraço na Sra. Anderson, pois ele sabia que, por sua vontade, nunca mais botaria os pés naquela casa.

Saiu em dualidade com a escuridão friorenta até que chegasse a seu carro, quente e confortável.

Eram dez, quase onze da noite e ele outra vez a porta de sua casa. Até então, não havia tomado conhecimento de que demorara tanto na casa de Jonas.

Graças à decisão de ir à casa do amigo, sua insônia estava de volta.

Algumas horinhas de sono eram insolvíveis para um dia produtivo em seguida, mas ele não tinha um pingo de vontade de deitar, e já sentira que teria dificuldade em dormir como no dia anterior.

Passou a examinar a cobertura ornamental de sua cama, cilíndrica e franjada em forma de caracol, e acabou ressonando guturalmente...

***

–Por que você morreu, Susane? Também foi por causa do hardlevel? – Jonas indagou a uma mulher que acabara de chegar, também em espírito, na praça onde se reuniam.

–É... acho que sim... – a mulher chamada Susane respondeu, muito por ainda não saber de nada.

–Todos nós – começou Jonas, havia seis ou sete pessoas detrás dele, que senão crianças, adolescentes – ao que tudo indica, morremos por causa do hardlevel.

–Mas... e agora? Não há como voltar? Perdemos nossos corpos e não podemos mais recuperar? – questionou a mulher, em tom amofinado.

–Há... uma hipótese...

–E qual é? – quis saber Susane.

–Existe um código, para que façamos conexão com alguém que esteja vivo. É um ótimo modo de termos alguma chance de voltar.

–Perdão. Eu não entendi nada do que disse... – a mulher contou, sem se envergonhar.

–Porque nem eu sei muito bem o que estou dizendo... – declarou Jonas. – Foster, explique a ela, por favor.

Um homem senil saiu da escuridão.

–Você também jogava... Hardlevel? – interrogou Susane, parecendo surpresa com o fato de alguém idoso se interessar pelo jogo.

–Sim. Não é só porque sou velho que não posso gostar de um videogame novo, que parecia inteligente – alegou Foster, desaprovando o julgamento da moça.

–Ele foi o primeiro a chegar aqui, Suzanne. E conhece coisas que ainda não sabemos – Jonas esclareceu a moça.

O rapaz olhou para Foster novamente como se fosse um sinal para que ele pudesse começar a falar.

–Bem, então a início de explicação, eu creio que já não sejamos os únicos afetados pelo videogame.

–Afetados? Estamos mortos, não estamos? – interrompeu Susane, abismada.

–Deixe ele falar! – sugeriu uma garotinha trigueira de olhos castanhos-areia, que também chegara há pouco tempo.

–Bom, como eu dizia, não somos os únicos afetados – repetiu Foster a palavra que incomodou Susane. – Na verdade, presumo que não somos nem dez por cento deles. Como vêem, estamos em pleno centro da cidade. Só não podem ver-nos, ou sentir-nos... – explicou Foster, dando um soco no rosto de um homem que passava, mas ele não o sentiu. – Acredito que o hardlevel seja um tipo de... Transferidor.

–Transferidor? Como assim? – questionou um garoto que também estava com o grupo, absorto nas informações que Foster passava a eles.

–Não sei se sentiram o mesmo que eu, mas havia algo estranho dentro do videogame.

–“Algo Estranho” – repisou Susane em tom francamente irônico. – Pode ser mais específico, Sr. Sabichão?...

–Havia VIDA na máquina! – respondeu Foster excelso e aborrecido com a moça.

Susane o olhou sovada e perplexa.

–Isso é Impossível!

–Não, não é, Susane. Infelizmente é verdade – divulgou Jonas, desenredado.

–O código que o rapaz Jonas falou, só pode ser feito por uma pessoa. Temos apenas que nos preocupar em garantir que nenhuma outra o esteja usando no momento, senão, pode dar... Errado.

–E como ele pode ser feito? – questionou um garoto baixo de cabelos pretos e impugnados, referindo-se ao código.

–Teremos que esperar cinco pessoas passarem, e cada uma delas terá um número marcado bem aqui – disse Foster, apontando para a região da testa. – Quando todas passarem, juntamos os números e vemos o resultado: esse é o código.

–E como você sabe de tudo isso? – intrigou-se Susane, novamente.

–Leitura.

–Leitura? – retiniram todos ao mesmo tempo.

–Pra ser mais exato, Relatos Secretos de Bóris Brainvich, de Íris Brainvich.

Todos permaneceram olhando-lhe enfadados, mas ele não continuou a falar. Apenas voltou a se sentar no banco metálico onde estava exatamente quando o chamaram.

–Então todos vocês estão esperando esses números – perguntou Susane em tom presunçoso.

–Sim – Jonas rebateu.

–E encontraram quantos?

–Nenhum.

–E se esses números não existirem? Se não chegarem até nos?

–Existem Susane. Foster disse que existem – respondeu a garotinha morena.

Mas Susane possuía um defeito grave: contestar tudo o que lhe era apresentado. De modo súbito, após a frase da garota, ela explodiu:

–Isso é uma tremenda LOUCURA! Como vocês podem acreditar no que esse velho decrépito está dizendo! – exclamou, com Foster tão afastado, que não podia nem ao menos se defender. – Ele não sabe o que diz! Está baseando tudo no livro idiota que leu!!

Todos olhavam para ela com ar de desaprovação ao que dizia. Perdendo espaço, a moça decidiu recuar:

–Qual é, gente... Era só uma piada...

–Não era. Piadas têm graça.

–Por favor, pessoal... Não queira polemizar discutindo. E você Susane, se não acredita nas palavras de Foster, pode sair daqui. Vá procurar outro grupo. Realmente parece loucura, mas...

–Um número! – alguém berrou.

Todos viraram os olhos imediatamente para onde o rapaz abalizara. Realmente, uma mulher passava a frente deles. E existia um número marcado em sua testa: 8.

... É a nossa única chance... – Jonas finalizou sua frase.

Oito. Número oito... – disse o mesmo rapaz, tentando memorizá-lo.

O jovem Jonas Anderson agora sabia que todos, em especial a desconfiada Susane, acreditariam pelo menos um pouco no que Foster procurava afirmar. Ele não fazia ideia de como o velho conhecia tantos segredos, mas sabia que ele não mentia, como Susane insistia em procurar provas concretas contra. Na verdade, até ele, às vezes, se sentia um tanto incrédulo em analogia as revelações de Foster, por nunca ter ouvido falar de algo parecido; Mas não estava pouco ligando para isso. Contanto que conseguisse seu corpo de volta, tudo estaria bem...

...Conforme a noite abatia-se, Jonas percebia que, ainda que sem corpo, sentia sono. Alguns do grupo já roncavam audivelmente, mas um par de olhos negros insistia em permanecer vividamente aberto.

–Não vai dormir, garoto? – interrogou o dono dos olhos ao examinar a face sonolenta, obviamente em alma, de Jonas.

–Não. Eu vou ficar aqui acordado com você – determinou Jonas, decidido.

Foster não disse nada; mas ficou admirado com a decisão desvanecedora de Jonas, pois todos estavam dormindo.

–Bom Foster, enquanto não temos nada pra fazer, vamos nos conhecer melhor, não é? – sugeriu Jonas, amigável.

–Claro! Já estava quase dizendo o mesmo – confessou Foster, embora, pelas circunstâncias, não parecesse ser verdade.

–Eu sou Jonas Anderson, e tenho vinte e três anos. Trabalho, quer dizer, trabalhava... É a força do hábito né...

Foster riu.

–Como eu dizia, trabalhava numa empresa de contabilidade, e ainda morava com a minha mãe... E isso até que me deixa um pouco preocupado. Eu fico imaginando como ela deve estar...

–Ela deve estar bem... – Foster começou.

–Tomara.

–... Se você não tiver retornado para casa – rematou. – É claro que, por ser um garoto inteligente, você sabe que estou falando do seu corpo, não é?

–Claro.

Foster percebeu o olhar de preocupação de Jonas referente à sua mãe, e quis mudar de contexto rapidamente, na tentativa de que ele esquecesse um pouco o assunto.

–Você já falou um pouco sobre você, garoto, então agora é minha vez – afirmou Foster com um sorriso nada empolgante. – Eu sou Samuel Foster, nascido no dia dezesseis de agosto de mil novecentos e cinquenta e sete. Fui aposentado por invalidez do meu serviço no exército quando, após um tiro, perdi completamente os movimentos da perna esquerda.

–Então você...

–Sim. Precisei amputá-la – respondeu Foster, prevendo a pergunta de Jonas – Eu usava uma perna mecânica no lugar dela. Eu...

–Foster...

–Espere, me deixe terminar, garoto...

Foster! – Jonas bradou exageradamente arisco. – Um número!

Os dois estavam sentados cara a cara, de modo que um via a praça, e o outro, a rua. A escuridão estava aliciada com um tempo nubífero, por isso era tão difícil enxergar.

Mas Jonas o viu. Ali estava ele, cravado na testa de um homem que vinha apressado, e corria tanto, que parecia estar fugindo de alguém.

–É! É um dois! – contra-atacou Samuel ao virar-se ligeiro para a praça, o local onde Jonas vigiava.

–Eu acho que não era um dois... – avisou Jonas, momentos depois de o homem passar por eles.

–Então vá atrás dele! – ordenou Samuel.

–O quê?...

–Vá... Atrás... Dele!... AGORA!!!

Foster não precisou nem terminar a frase porque Jonas saiu em disparada atrás do homem. Se sua vida realmente dependia desses números, ele não hesitaria em tê-los. Estava no encalço do sujeito desconhecido, quando ele dobrou uma esquina.

Jonas arquejou, extenuado, e também entrou na mesma rua. Parou, e examinou todos os cantos dela, mas o homem não estava lá... havia desaparecido... Mas..., para onde teria ido? Era um beco sem-saída, ele não poderia ter ido a lugar algum, e...

AHH!!!

Jonas sentiu algo transpassar sua alma. Era o homem. Ele parecia ter tentado agarrá-lo, mas, sem sucesso.

O rapaz correu como nunca correra em vida até se distanciar razoavelmente do homem misterioso.

...O que será que ele queria? O que viera buscar? Será que, de alguma forma, ele sabia da presença de Jonas ali?...

Essas eram algumas das perguntas pendentes enquanto o rapaz corria, mesmo dispnéico.

Um.

O número era um.

E não dois, como Samuel pensara.

Jonas desconhecia a razão pela qual o homem pulou sobre ele, mas sabia que ele não pretendia algo bom.

Retornou a praça trazendo o verdadeiro número, e o sol se pôs de vez no céu azul...

***

...Pih, Pih, Pih,...

O despertador já cortava o silêncio há quase cinco minutos.

“Indistinguivelmente, o som do relógio se uniu ao som das vozes em seu sonho, e ele percebeu estar atrasado”...

... Jonas dizia: “Saia daqui”, “ Eu estou bem” ,“ Não preciso da sua ajuda”...

Cale a boca, JONAS! – O grito de Christian conseguiu ser mais sonoro e intenso que o próprio despertador.

O rapaz se levantou, abalado e com frio (havia dormido apenas com um edredom, enquanto um vento tempestuoso golpeava as vidraças mal-fechadas de seu quarto), voltando os olhos sorrateiramente ao relógio, conferindo que já devia ter saído de casa há quinze minutos. Se arrumou, comeu algo, e saiu calmo.

Por mais que procurasse se tranquilizar, ele sabia que por estar preeminentemente mal, qualquer episódio de discórdia, mínimo que fosse, acabaria com seu lado emocional. Egressou de sua casa com seu mesmo sofisticado carro preto, tentando, no caminho, responder algumas perguntas que tinha sobre Jonas. Por que o amigo fora tão rude com ele? Por que o tratara tão mal? Não existia sequer razões para isso.

Nenhuma delas...

Ele chegou à locadora cumprimentando um por um seus funcionários, que pareciam estar fazendo um bom trabalho nesta manhã. Pediu perdão a todos pelo modo que vinha tratando-os; admitindo que não estava sendo um bom chefe.

–Se eu estivesse em seu lugar eu não diria isso, senhor... – reprovou Marcos – Seu pai infelizmente faleceu, mas agora, você é nosso chefe!

–Eu sei, Marcos... mas não é só porque sou chefe que devo me sentir superior a todos vocês... – acrescentou.

Christian podia ser o que fosse na vida, mas algo que parecia passar de modo patogênico em toda a sua geração era a humildade. Se hoje a família de Christian era abastada em finanças, foi porque ontem foram humildes. A simplicidade era algo que sempre esteve, e, se dependesse de Christian, sempre ficaria detrás dos portões da família Salém...

–Eu tenho que ser honesto, senhor... – começou Jorge, também funcionário – Você é um chefe, mas não se encaixa muito bem nesse perfil. Eu preferia mesmo o seu pai... – confessou.

Christian ficou com uma cor escarlate cálida; mas não respondeu nada a Jorge.

–Porém, depois do que nos disse, eu aprendi a vê-lo com outros olhos... – Jorge terminou.

Christian sorriu, e deu um espontâneo e gratuito abraço no funcionário.

–Obrigado, Jorge... Obrigado a todos vocês! – exclamou. – Hoje teremos muito trabalho, pessoal! Temos muito o que fazer!

–Claro, senhor! Estamos todos prontos! – respondeu um deles, exultante com o novo chefe.

E o dia foi muito agradável. Após fazer as pazes com todos, Christian pôde trabalhar melhor em sua própria empresa.

O funcionário despedido, Erick Lemos, voltou à locadora. Conversou com Christian em sua sala, e saiu normalmente, sem causar nenhum tipo de confusão. Até passou pela cabeça do rapaz readmitir Erick, mas ele sentiu que não era a coisa certa a se fazer.

Não era orgulho, nem muito menos prepotência. O problema era que além das discussões com Christian, Erick também aventava com os próprios colegas de trabalho.

–Rapazes, eu gostaria de informar-lhes que vocês vão ter novos companheiros de trabalho. Ou melhor, companheiras...

–Ah, Salém! Até que enfim uma mulherada aqui na loja! Já tava pegando mal pra gente!... – Elias brincou.

Todos riram.

–É... Eu coloquei o cartaz aí na frente, vocês viram né, e só vieram mulheres procurando trabalho! Ao todo são seis que vão fazer entrevista comigo essa semana, mas eu preciso de apenas três novos funcionários...

–Beleza, então até semana que vem essa loja já vai estar de cara nova...

–Espero que sim, Marcos...

Das moças para entrevistas, apareceram apenas duas no primeiro dia.

Christian gostou de ambas: as achou simpáticas, bonitas, e se decidiu por contratá-las. Mas o problema é que se todas fossem assim, ele iria acabar ficando indeciso entre elas, e os funcionários homens...

Teve fim mais um dia de trabalho, e Christian se despediu cordialmente de todos os funcionários.

Ele estava tão bem que decidiu pegar alguns filmes em sua locadora para ver se podia ficar ainda melhor.

Seus planos para esta noite eram somente assisti-los; primeiro pôs um de faroeste, não muito empolgante, e acabou pegando no sono enquanto acompanhava...

***

Chovia Granizo. Mas, mesmo sem pele, Jonas podia senti-la, flagelando-lhe, enquanto perseguia o dono do quinto número.

Os dois que antecederam esse haviam sido fáceis, passaram andando. Mas este pequeno garoto cismara em correr tanto quanto o homem com o número 1.

Jonas o perseguia há mais de dez minutos, e toda vez que se aproximava, o garoto dobrava a rua. Foram parar numa alameda escura e suja, com árvores tão grandes e frondosas que a deixavam mais insuscetível e sombria do que parecia ser.

Já em seu encalço, o garoto parou, alcantilado, e começou a olhar para o lugar onde Jonas estava. Um horrível frisson o invadiu quando o garoto perguntou:

Quem é você?

Jonas suspirou por um momento, e viu o número 6 gravado em sua testa.

–Meu nome é Jonas, e... estou morto.

–Por que está me seguindo?

Por mais incrível que possa parecer, Jonas não sentiu ilícito contar ao garoto tudo o que lhe havia acontecido.

–Você está LOUCO! Eu não tenho número nenhum gravado na testa!! – berrou o menino, quando Jonas terminou de contar toda a indigesta história.

O rapaz resolveu não discutir com o garoto, porque afinal, ele não tinha nada a ver com este acontecimento. Seria muito melhor ainda deixá-lo fora disso, onde exatamente estava quando começou a conversar com Jonas.

Despediu-se do menino com apenas um aceno de mão, e avançou em direção a praça onde todos do grupo o aguardavam, a espera do número. Quando estava prestes a cruzar a rua, o garoto disse:

ESPERE

Bem como Jonas volveu-se novamente, viu dois pares de olhos encararem os seus. Um o enfrentava firmemente; mas, o outro, não tinha muito foco; Jonas sabia ainda estar invisível a ele.

Ali papai, “Olhe”... – dizia o garoto, apontando insistente para onde Jonas estava.

–Eu não o vejo, filho – respondeu o homem, enquanto Jonas pregava os olhos no número Um, repousado em sua testa.

–ELES contaram que ele diria que temos números marcados na testa. E ele disse, papai, ele disse...

–Filho, eu quero que me diga exatamente aonde ele...

–Papai! Ele está... CORRENDO!!!

Jonas saíra em disparada dali. Ele sabia que existia alguém por trás de tudo isso. Alguém que queria impedir que usassem o código...

–MAIS RÁPIDO, PAPAI! Mais Rápido!!

Apesar de muito assustado, Jonas Anderson não olhava para trás. Ele sabia que o pai do garoto estava extremamente próximo. Pelo menos isso poderia elucidar o pulo do homem sobre ele na tentativa de apanhá-lo, um dia antes. Mesmo que considerasse impossível a hipótese do homem conseguir pegar-lhe, não queria arriscar. Não Podia arriscar... Ele corria de modo contemporizado, pois estava perdido. Nunca andara por aquele bairro, então estava procurando ao menos despistar o garoto e seu pai.

–JONAS, AQUI!

O rapaz olhou para o lugar de onde surgiu a repentina voz, e viu um velho de cabelos e barbas que pareciam revestidos com uma camada prata dentro de um tipo de incubadora.

–Que diabos é isso?...

–É um esconderijo, ora! Agora entre e cale a boca, porque o garoto pode nos ouvir – advertiu o mesmo velho.

Jogue o cubo PAPAI! Jogue o CUBO Agora!!!

Onde ele está, filho?!?, Jonas sentiu a voz rouca do homem se aproximar mais e mais do lugar que ele se encontrava.

Eu... NÃO SEI!... Ele SUMIU!!

Mas que Droga! Quase o pegamos!

Ainda podemos pegá-lo! Vamos por ali...

E os sons dos passos do homem e do garoto começaram a se distanciar dali.

–Eles já foram – informou Samuel, abrindo a portinhola do lugar onde se escondiam.

–Você ainda não me explicou o que é isso – obstinou Jonas, apontando firme para o artifício de onde saíram. – Eu nunca vi um troço desses na minha vida!

–O problema... – principiou Samuel Foster – É que você não está vivo... Você se esquece disso? – indagou, olhando de maneira especiosa para Jonas.

Jonas não respondeu, pois odiava se sentir diminuído, ou ignorante. E no momento, ele se sentia exatamente assim.

–Quem eram eles? O garoto e o homem?– perguntou Jonas após eles já haverem percorrido duas esquinas, e ele sentir-se mais seguro de si mesmo.

–Bom, Jonas, eu quero que saiba que não sou nenhum expert formado em “defesa contra alienígenas ou outros perigos alheios”. Eu fui em vida uma pessoa normal, que por ter tido um tempo de vida maior que o seu, aprendi coisas mais que você. Por isso e por muitas outras coisas, eu posso concluir que o menino e o homem já sabem de toda a história envolvendo o hard; talvez até saibam mais que nós. Alguém que queria nos deter usou-lhes na esperança de que pudessem nos pegar. Esse alguém, Jonas, está com medo que o nosso plano dê certo...

Os dois cortaram outra esquina, e finalmente avistaram a praça de bancos metálicos.

–Jonas... eu cheguei a uma decisão... – revelou Samuel, antes que pudessem se encontrar com o grupo.

–Qual? – quis saber Jonas em grande afã.

Samuel parou subitamente de falar. Ele abriu seus lábios novamente quando já estavam em frente ao grupo.

–Esta Noite, a conexão será feita – declarou Samuel, a todos que podiam ouvi-lo.

–E quem vai fazê-la? Você é?... – Susane instigou.

–JONAS.

–Eu? – indagou Jonas, em tom de surpresa.

–Por que ele? – se exaltou novamente Susane, que parecia condenar seriamente a decisão.

–Porque ele foi o único a correr atrás dos números. Foi o único a ficar acordado, os esperando, enquanto vocês dormiam. Foi o único que correu riscos por aqui. Só por isso... – explanou Foster imensuravelmente claro.

–Mas... Foster! Não pode ser ele! Se isso realmente for verdade, todo o meu futuro vai estar nas mãos de um... Moleque!

–MOLEQUE?!? Olha aqui, senhorita “SE METE EM TUDO”, eu...

–Acalme-se Jonas. E, Susane, será ele. Não há mais o que contestar – disse Samuel quando todos os outros faziam sinal de apoio a Jonas. – Você já sabe com quem irá estabelecer a conexão?

Christian”, Jonas pensou. O único que poderia crer nessa história.

–Jonas?...

Christian.

–Quem é Christian?

Um grande amigo.

–Certo. Então, antes de começarmos, devo lhe explicar certos detalhes. Jonas, você ficará intangível ao toque de qualquer um; no entanto, você vai se sentir em seu próprio corpo, porque você será capaz de conduzir objetos.

–Tudo bem.

–Bom, antes de iniciar o processo, também precisamos ponderar um pouco sobre o que você irá falar a ele.

–Eu já sei exatamente o que vou falar

–E o que é? – se surpreendeu o velho Foster.

–Bom, eu vou ter de achar uma forma de explicar a ele que estou morto, e que preciso de sua ajuda para voltar à vida – sugeriu Jonas. – E também que ele precisa encontrar meu outro eu e descobrir tudo o que conseguir.

–Muito bem! – enalteceu Foster, com um sorriso. – Acho que se você também tiver a oportunidade, diga a ele para procurar sobre um escritor chamado Bóris Brainvich.

–Lá vem ele com essa história de “Brainviqui” de novo... – zumbiu Susane com os garotos que estavam ao seu lado.

–Deixa comigo, Samuel – asseverou Jonas.

Samuel Foster olhou sério para Jonas e articulou:

–Você está pronto?

–Sim.

–Então podemos... Começar.

–Quando quiser... – Jonas avisou.

–Você tem que imaginar, de forma bastante concreta, o lugar para onde você vai, está bem? Não pode se enganar, isso traria problemas...

–Está bem.

–Tem alguma pergunta?

–Não.

Samuel pediu para que Jonas entrasse num círculo riscado no chão. Ele entrou, e Foster começou a proferir os números do código: 8, 1, 3, 9, 6. Cada vez mais rápido, cada vez em outras línguas...

...E a praça começou a girar. Jonas via borrões na escuridão; acenando-lhe e desejando boa sorte...

–Espere! EU TENHO UMA PERGUNTA!...

Tarde demais. Jonas já estava fora da praça.

–Queria saber quanto tempo eu fico assim... – disse, quando seu corpo parecia, de alguma forma, restituído a sua alma...

***

Jonas estava numa casa grande e desarrumada. As luzes estavam acesas em cada um dos cômodos, com exceção da sala. Nela, o televisor estava com a imagem congelada, provavelmente após o fim de algum filme. O rapaz se aproximou mais da sala, e viu restos de pipoca esparramados pelo tapete. No entanto, rapidamente, sua atenção se desviou da pipoca para um rapaz de cabelos negros, que roncava ruidosamente...

CHRISTIAN!...

O rapaz, porém, nada ouviu. Estava absorto em sonhos, e pela primeira vez na semana estava tendo um bom sono.

Jonas tomou parte do tempo que tinha para refletir sobre algumas ideias. Foster não lhe dera muitas instruções sobre o que fazer. Nem menos lhe falara sobre o tempo que possuía para realizar o trabalho.

Em outras palavras, Jonas teria que agir rápido, e sozinho...

Christian dormia como uma pedra. Jonas apreciava os curiosos minutos que o traziam, ainda que ilusoriamente, de volta a vida.

A primeira tentativa de acordar o amigo, foi aos gritos.

Ele sequer se moveu.

Estava quase desistindo e imaginava que a qualquer momento tudo começaria a girar novamente e ele estaria de volta à praça, quando lembrou-se das palavras de Samuel Foster: “Ainda que intangível ao toque de qualquer um, você vai se sentir em seu próprio corpo, porque será capaz de conduzir objetos”..

–Conduzir objetos! Isso – se entusiasmou Jonas com sua própria astúcia.

Foi até a área para pegar um balde. E encheu-o por completo...

No momento em que ele jogou o balde d’água em Christian, o amigo acordou na mesma hora, de um pulo, os olhos tão vermelhos quanto o fogo.

–Mas O QUÊ?

Christian e Jonas estavam frente a frente.

O primeiro rapaz muito mais confuso que o segundo.

–Jonas, o que você tá fazendo aqui?! – rufou Christian, com os olhos numa cor rubro-escaldante.

Por reflexo, ele pulou em direção ao pescoço de Jonas, e não pegou exatamente nada.

–O que que é isso? Eu tô dormindo ainda??...

–Não, você não está dormindo cara. Por favor, calma.. Calma...

Jonas explicou o mais rápido possível, antes que Christian tentasse atacá-lo novamente.

–ISSO É RIDÍCULO! Eu estou dormindo ainda, tenho certeza! pulsou Christian completamente esbodegado.

–Christian, acredite em mim, pelo menos por um instante! – Jonas implorou.

Christian, porém, o olhava com suspeição.

–Você quer saber do dia em que o visitei pela última vez, não é?... Porque mudei de ideia tão rapidamente. É porque aquele já não era mais eu. Quer dizer, no começo era, depois a outra coisa dentro do meu corpo já estava começando a me dominar...

Christian fez cara de pasmo.

–Mas.. Eu te vi! Na sua casa! E você foi completamente grosseiro comigo!!

AQUELE NÃO ERA EU, Christian! Você ainda não entendeu?! Alguém tomou meu corpo!! – gritou Jonas em tom excedido – Mas... Você me viu na minha casa? Quer dizer, meu corpo, eu estou pegando o hábito do Foster...

–Sim. Eu fui à sua casa te visitar depois do dia que veio aqui – suscitou Christian um pouco mais calmo, mas ainda espantado de modo desmedido.

–Está entendendo melhor agora? Você foi a minha casa e conversou com alguém que está no meu corpo, mas que não sou eu!

Christian chacoalhou a cabeça, e esfregou os olhos.

Seu amigo permanecia ali, na sua frente...

–Isso é impossível, Jonas!

–Christian – começou Jonas, procurando manter a calma. – É a segunda vez em menos de uma semana que eu ouço você dizer que algo é impossível. E, por incrível que pareça, eu tenho certeza que você é a única pessoa que pode me ajudar. Não tenho ideia do que tinha naquele videogame, mas era maligno. A propósito, desfaça-se do seu o mais rápido possível.

–O meu foi roubado.

–Roubado?

–É. – Christian continuava pensando que estava louco, mas tentava compreender a situação. – Esse videogame virou febre imediata! Eu vejo todos os dias nas ruas pessoas com o hardlevel, por todos os cantos que olho. Comigo foi só um roubo, mas vi pela T.V. um assalto numa loja de games, e adivinhe apenas o que roubaram: hardlevels. Sinceramente, acho que até mesmo já mataram por esse jogo, Jonas.

–Isso porque ele é viciante Christian! É normal alguém se interessar por um videogame, mas não é normal não conseguir parar de jogá-lo! Creio que você não chegou a jogar o seu, por ele estar com defeito, não é mesmo?

–É.

Os dois se entreolharam por ínfimos momentos, e sem entremeios, Jonas foi direto ao ponto:

–Por esse motivo você não está morto também...

Christian começava a ver lógica e lucidez no ar...

–Bem, Christian, tenho que contar logo a razão de eu ter vindo até aqui, pois não sei quanto tempo ainda possuo...

–Como eu posso vê-lo? – impugnou Christian, intrigado.

–Christian, eu ainda não sei explicar muito bem, só quero que ouça logo o que tenho a...

–Eu juro que estou tentando, mas não consigo acreditar nisso, Jonas! Não Consigo!! É tudo muito... MUITO...

–CHRISTIAN!

O rapaz se calou no mesmo momento.

–Eu sei que é difícil entender, mas você acha o quê?! Que estou mentindo pra você! Por que faria isso? Não é uma brincadeira um tanto sem nexo? – interrogou Jonas, surreal e evasivo. – Eu dependo de você, amigo. A minha vida depende disso...

–Me perdoe. É que é muito difícil acordar com um balde de água na cara, e depois ouvir uma história dessas... – confessou Christian. – O que eu tenho que fazer?

–Preste muita atenção, por favor. Eu quero que comece a se relacionar com o meu outro eu, enquanto vejo o que consigo descobrir. E, dentro de alguns dias, vou tentar falar com você novamente. Outra coisa: preciso que você procure um livro pra mim de um escritor chamado Bóris Brainvich. Não me disseram o nome, mas sei que você vai conseguir encontrá-lo...

–Jonas, tenho que admitir que ainda estou muito perplexo com tudo o que me contou. Mas vou te ajudar, amigo. Eu vou.

–É muito bom ouvir isso, Christian.

Os dois amigos só não cederam a um amplexo porque seria impossível.

–Quando tempo você ainda tem? – interpolou Christian, ponderado.

–Não sei. Mas ainda devo ter muito... Por quê?

–Porque você está... SUMINDO!...

–Sumindo??

–Olhe Suas Mãos!

Jonas olhou. Sua mão direita estava completamente sugada; e a esquerda, sem dois dedos.

–O QUE.. TÁ ACONTECENDO?!

Jonas olhava agora para o lugar onde estaria seu dedo indicador, e seu corpo começava a ser tragado com mais rapidez.

–Christian, faça tudo o que eu lhe pedi! – exclamava ao amigo, amedrontado.

–Mas o que é isso, Jonas?

–Eu não sei! Eu NÃO SEI!! – reiterava, desesperado.

No segundo que se sucedeu, Jonas pôde perceber que o amigo não podia mais vê-lo. Mas ele ainda estava ali...

DE REPENTE, tudo começou a girar.

De novo...

***

Quando os vultos e borrões começaram a sumir, deram lugar a um quarto azul-marinho, totalmente coberto por livros. A cama, a mesa-de-cabeceira, e o guarda-roupa espelhado estavam perfeitamente alinhados de um modo que no centro pudesse estar à mostra um caríssimo tapete turco.

SENÃO Pelo tapete, Jonas não reconheceria seu próprio quarto, por se achar mil vezes mais bem composto que o tradicional. Parecia estar sendo muito mais frequentado e arrumado do que quando o rapaz esteve vivo.

SUBITAMENTE, a porta fendeu-se. E Jonas se desesperou quando o viu correndo em direção a ele mesmo...

Mas... O que teria acontecido? O que o levara a seu próprio quarto??

Ele não sabia explicar.

Apenas fechou os olhos e esperou pelo pior. Sentiu uma mão agarrar-lhe, mas tudo voltou a girar...

***

JONAS... Você está... BEM?... – questionou uma garotinha sardenta e de olhinhos negros marcantes que o olhava, apreensiva.

Jonas estava estatelado no chão da praça de bancos metálicos, e todos silenciaram no mesmo momento em que ele surgiu.

–Nenhum pouco... – o rapaz conseguiu responder a garota, com um certo esforço.

–Saiam da frente! – rosnava um velho, distinguindo-se dos outros.

Jonas olhou para o lado de onde emanava a voz, mas permaneceu no chão.

–Ele tocou em mim – relatou Jonas, quando viu os olhos seguros de Foster arrostarem-lhe. – A pessoa que está em meu corpo... Eu queria saber Foster, ainda estou muito confuso. Como alguém pode possuir um corpo que não é seu?? Creio que isso é humanamente impossível!

Samuel olhou o rapaz com grande veemência, abaixando as sobrancelhas, arrependido:

–Esse é o problema, Jonas... Não é um humano que está em seu corpo...

–O quê? – questionou Jonas, esbaforido.

–Não são pessoas, assim como nós, que tomaram nossos corpos. São... Extraterrestres...

A face em espírito de Jonas ficou atarantada.

–Como aliens..., você quer dizer?

Foster aderiu.

–Por que não me contou isso antes? Que tinha um alienígena dentro do meu corpo?! – esbravejou Jonas, de modo instantâneo.

–Porque você não...

–Que droga Foster! Eu fiquei lado a lado com um alienígena! Sabe-se lá do que um bicho desses é capaz, e você...

Você não acreditaria! – revogou Samuel. – Você pensa ser fácil chegar e falar para alguém que há um alienígena no seu próprio corpo? Não, não é tão simples como parece!!

E por que eles invadiram nossos corpos? – Jonas perguntou ainda alterado.

–Eu não sei Jonas. Eu não sei... Eu li muito sobre o assunto, mas os livros não diziam nada sobre isso... – O que temos que fazer agora é nos acalmar e pensarmos juntos no que devemos...

O que conseguiu? – perguntou Susane de modo muito bruto, obstruindo indiscretamente o diálogo.

Todos silenciaram para ouvir a resposta de Jonas, que já estava regenerado e bem.

–Eu falei com o meu amigo, e pedi para ele se aproximar do meu outro eu, a fim de ver o que consegue descobrir – respondeu Jonas, falando incultamente grosso, para se achegar no patamar de Susane.

–Bravo! – gritou Samuel, que parecia mais querer conter uma possível briga do que realmente elogiá-lo. E, a seu gesto, todos começaram a aplaudi-lo – Com exceção de Susane...

–Não, não, e não!!! – protestou a mulher. – Vocês, sinceramente, acham que o plano mixuruca desse garoto louco vai nos ajudar? ACHAM??

–Jonas, não dê ouvidos. Ela está assim desde que você saiu – confidenciou Samuel ao rapaz.

–Correção, Foster: ela está assim desde que chegou aqui...

–Não quero que briguem, tudo bem?

–Pode deixar – respondeu Jonas em inteira concordância.

–Vamos, me respondam, alguém acha? – questionou outra vez Susane, se virando especialmente para os garotos e garotas que estavam presentes no grupo.

–EU ACHOrevelou Henrique, um menino tímido que também se achava com eles.

–O que disse, garoto? – perguntou Susane, que esperava que alguém concordasse com ela quando ocorreu exatamente o contrário.

–Eu também acho! – reforçou a garotinha sardenta.

–Todos nós achamos! – findou Foster. – Agora vamos parar de discutir por coisas bobas, e continuar a trabalhar. Afinal, vocês não querem voltar a seus corpos?

5. O Novo Namorado de Letícia

Christian pensou seriamente durante a noite em visitar um psiquiatra.

com a noite curiosa do dia anterior. Cada vez que o caso de Jonas parecia mais real, se tornava ainda mais bizarro.

Hoje o rapaz não iria para o trabalho.

Precisou incomodar Marcos às seis da manhã para avisá-lo de que cuidaria da locadora por um tempo, que até então, era indeterminado. Pediu também que Marcos desse o endereço de sua casa para as mulheres que ainda precisassem ser entrevistadas para o emprego. Estava tomando todas tais medidas, aparentemente um tanto drásticas para que não fosse necessário conciliar a “loucura” envolvendo seu amigo com o trabalho, o que poderia acabar o deixando ainda mais estressado.

Ainda se espreguiçava gostosamente, confortabilíssimo nas cobertas suntuosas de sua cama enquanto o dia lá fora começava cálido outra vez.

O momento era oportuno para visitar a casa de Jonas. Antes que pudesse voltar a esfriar e a chover, e sua visita se tornasse inadequada...

–Christian querido, o que faz aqui tão cedo? – a mãe de Jonas indagou, em tom amável.

–Eu preciso muito falar com o Jonas..., Sra. Anderson.

–Ele ainda deve estar dormindo... Mas vá lá, você é amigo dele. Pode subir, bata na porta até alguém abrir...

–Muito, mais muito obrigado, Sra. Anderson – Christian respondeu franco.

–Não há de quê, querido...

O rapaz subiu as escadas balaustradas até o quarto de Jonas, mas um impulso o tomou: ele não bateu na porta. APENAS A ABRIU. Deparou-se com Jonas lendo um livro fino, que foi fechado paralelamente a sua chegada. O rapaz procurou memorizar o nome do autor que ele trazia em sua capa vermelha, escrito em letras garrafais: Bóris Brainvich. Acima do nome do escritor, se seguia escrito: “As Três Pessoas Hipnotizadas”.

–O que faz aqui, Christian? – perguntou Jonas numa tonalidade tão perversa que Christian poria em prova conhecê-lo, mesmo se não soubesse da história que envolvia hardlevel.

–Me desculpe Jonas... É que sua mãe me disse que você já estava acordado, e que eu poderia entrar sem bater...

–Tá. O que quer?

–Como, “O que quero”, Jonas? – disparou Christian, tentando parecer natural. – Não posso nem te visitar mais que você vem com toda essa sua educação?

–Me deixe viver! Você vem pra cá demais, e isso não é normal!

Christian sentiu que a pessoa no corpo de Jonas possuía um diálogo realmente estranho.

–Que livro é esse? – ele mudou levianamente de assunto, apontando para o livro vermelho debaixo do braço de Jonas.

Vá embora.

–Não, eu quero saber que livro é esse...

–Vá embora, por favor. Eu... Não estou bem. Vá logo...

Christian olhou fundo nos olhos de Jonas.

–Está certo, tchau – retrucou, descendo as escadas em passo acelerado.

–Senhora Anderson, me perdoe pelo incômodo, eu...

–De maneira alguma filho, volte quando quiser! – ofertou a Sra. Anderson, sorridente como sempre.

–Tudo bem – prometeu.

Um casalzinho apaixonado passava cantarolando pela rua logo quando Christian deixou a casa dos Anderson.

Sem querer, o rapaz ficou-os analisando por leves momentos, e acabou percebendo que a moça era Melissa.

A garota mirou-o com um olhar cáustico e sonso, virando o rosto logo após, e se entrelaçando mais com o rapaz ao seu lado.

Christian fez ar de que não ligou em nada pra isso; como se estivesse em conformidade, como se fosse algo normal e comum para ele.

Não era.

Por dentro, Christian borbulhava em raiva...

Melissa, a garota que lhe dera o fora mais feio da vida... Aquele inesquecível, inexplicável.. Iria ser muito difícil de se superar...

Ultrapassando a garota a passos largos, redondamente insatisfeito com a situação, se sentindo inadequado e impróprio por estar exatamente ali, naquele exato momento, Christian entrou em seu carro.

De uns tempos pra cá, ele não vinha possuindo muita sorte com mulheres. Talvez não fosse tanto uma questão de sorte, tendo mais a ver com sua falta de tempo.

Um homem tão jovem, já dono de uma grande empresa, perdia grande parte de seu tempo trabalhando. O emprego acabava corroendo-lhe o dia, e assim impedia relacionamentos.

Mas isso não era uma desculpa sensata para alguém como ele. Podia encontrar a garota que quisesse, se quisesse. Mas nesse momento da vida, essa não era uma de suas maiores preocupações. Um dia, o destino fluiria, conspirando a seu favor, e a pessoa apropriada certamente surgiria...

Enquanto dirigia, o rapaz matutava mentalmente.

Divagava em pensamentos, cogitando suas hipóteses para problemas de grande enredamento.

Uma das coisas que Christian melhor fazia na vida era raciocinar, elaborar coisas.

No momento, estava contente pelo bom início da ajuda sigilosa ao amigo Jonas. Podia ainda não ter descoberto nada muito proveitoso, mas deixara o sujeito, não muito amistoso, numa posição desconfortável quando questionado sobre o tal livro com o nome que Jonas dissera: Bóris Brainvich. Sentia que estava muito próximo de descobrir que segredos o envolviam.

Apesar de muito entretido, o rapaz ainda se sentia um pouco “louco” por tudo que vinha acontecendo. Uma história sem nenhuma explicação se desenrolando na frente de seus olhos. Porém julgava que, já que estava dentro, teria que terminar de descobrir toda a verdade.

Christian sempre foi do tipo detetive.

Nunca desiste de um segredo até descobrir...

Deflagrando até sua moradia, cuidou de despir a jaqueta xadrez quente que usava (apesar do calor, ventava como nunca), aproveitando o raro tempo acessível em frente a seu novo computador, um dos mais potentes já lançados.

Seu novo PC possuía mais de cem núcleos de chips em seu processador, o que significava uma rapidez tremenda em qualquer operação que o aparelho realizasse.

Seu design chegava a ser ainda mais impressionante: um retângulo de cristal líquido era a tela; o teclado era dobrável; e contava com tecnologia sem fio, pois não precisava mais ser conectado a CPU para que pudesse funcionar.

Porém, o mais impressionante de todos os órgãos da máquina, era mesmo a CPU. A unidade de processamento do computador ganhara um leve achatamento, que a deixou tão pequena quanto um livro.

Navegando pela internet, ao passo que começava a ler certas manchetes numa página eletrônica de tablóides, uma o impressionou logo quando bateu os olhos:

HARDLEVELS ROUBADOS NO RIO DE JANEIRO

Assalto em loja de videogames carioca!

O magazine Jogos e cia., famoso por ser um dos primeiros receptores do game hardlevel no país, foi surpreendido nesta madrugada, quando seis assaltantes invadiram a loja.

O que os bandidos não esperavam era que encontrariam dois lojistas preparando uma oferta para o dia. Um deles foi ferido apenas por uma coronhada, e o serviço médico já avisou a imprensa que o homem acertado certeiro na cabeça se encontra em ótimo estado de saúde; Já o segundo, ferido à bala durante o roubo, corre risco de vida.

Mais informações sobre o caso, vide Jornal do Cidadão, “O seu jornal”.

Era de abismar.

Horrorizar.

Deixar pasmo.

“Como era possível uma coisa dessas?”, Christian imaginava.

“Mas que videogame epidêmico, devasso, vício de louco”.

Devia estar sendo um impacto vergonhoso contra o Brasil, agora com a notícia do roubo provavelmente sendo exportada por todo o planeta...

O assunto até o deixara nervoso.

Fechando a página, o rapaz fez cara de protesto, de desacordo com tal feito no Rio.

Segundos depois, alguém bateu a porta. Christian já foi abri-la mais estressado ainda, afinal, havia uma campainha, o que não dava a ninguém motivos para bater na porta forte desse jeito. A única pessoa no mundo com direito de bater em sua porta da forma que quisesse, era sua, sua...

MÃE?!?

–Olha aí o meu garoto... Como é lindo! Não é, Syd? – perguntou a mãe do rapaz, que era alegre e jovem. Seus cabelos pretos fluidos eram partidos ao meio e jogados por sobre seus ombros. Usava uma japona preta que a cobria por completo.

–É... – concordou um homem com um rosto chupado e um bigode horrível, ao lado de sua mãe.

–Querem... Entrar? – Christian perguntou, sem jeito, na verdade querendo convidar a ingressar à sua casa apenas sua mãe.

–Claro filho! Me ajude com as malas no carro...

Sua mãe se virou, e Christian se aproximou dela antes do homem.

–Quem é esse cara, mãe? – cochichou ao pé do ouvido dela.

–Ah, sim! Deixe-me apresentá-los – pediu, numa voz que conseguia ser maviosa e aguda ao mesmo tempo. – Filho, este é meu novo namorado Sydney, e Syd, este é meu filho, como eu já lhe tinha dito, inclusive.

–Muito prazer! Sua mãe comentou muito bem de você!... – revelou Sydney, com a mão estendida para um cumprimento.

–Prazer... – proferiu forçado Christian, apertando brevemente a mão do homem.

Christian Salém não admitiria se lhe perguntassem, mas ele era um ciumento nato em relação à sua mãe. Se tornava como um cão raivoso se qualquer homem ousasse se aproximar dela..

As malas foram pegas no carro, e eles retornaram para sua casa.

–Está fazendo muito frio por aqui, não filho?

–Pois é. É o mês, né. Falaram que está sendo o julho mais frio do século... Bom, liguem a T.V., eu vou ver algo para comermos...

Christian se afastou um pouco e sua mãe interpolou:

–Você ainda tem uma plasma, filho? Elas já saíram de moda... Você ainda não viu essas novas que possuem inteligência artificial? Quando elas pressentem uma mínima queda de luz, se desligam sozinhas...

–As plasmas estão mesmo defasadas, mas eu continuo adorando elas. São mais bonitas, sabe. E eu me sinto bem tendo uns equipamentos meio retrós aqui em casa... Me faz lembrar bons tempos...

A mãe de Christian dobrou os lábios, como se quisesse dizer a Sydney que estava impressionada com o filho.

Christian regressou a sala trazendo um vasilhame repleto de hambúrgueres e fritas, e três copos de refrigerante.

–Ainda comendo esses lanches né filho? Eu já lhe falei que faz mal a saúde... – recriminou sua mãe, ao vê-lo depositando o pote de hambúrgueres e os copos por cima da mesa de vidro ao lado do sofá.

–Mãe, fique quietinha e coma, vai... Você vai gostar... – garantiu Christian, enquanto abria as persianas para que a pequena quantidade de luz que estava do lado de fora pudesse entrar.

Sua mãe comeu os hambúrgueres com desgosto, e Sydney se empanturrou de tudo, como se nunca houvesse comido. Após uma rápida arranjada nos objetos da casa, o rapaz sentou-se para conversar com a mãe.

–E então, mãe? Você não estava em Nova York? – quis saber Christian, encabulado com sua volta relâmpago.

–Estava. Mas não gostei dela. Das pessoas, dos costumes. E é uma cidade muito feia, Christian. Suja demais. Prefiro visitar cidades da Itália...

–É mais suja que São Paulo?

–É.

Ele não falou nada. Mas duvidava que existisse lugar no mundo mais sujo que São Paulo...

–E a sua casa no Rio? Como está, mãe?

–Eu vendi.

–Vendeu?? Mas por acaso você tinha posto ela a venda?

–Não, mas apareceu por lá um senhor obstinado em comprá-la por um preço irresistível.

–Mãe, aquela casa valia pelo menos cem mil cartões grandes.

–Eu a vendi por cento e noventa. E comprei aquele novo modelo do Fusion lá fora.

Christian ficou perplexo.

–Mas... Mãe! Você estava tão bem por lá!! Vai morar aonde agora?

–Não sei... Aqui? – sugeriu.

–AQUI? – Christian repetiu um tanto zombeteiro. Sydney fez cara feia. – Tá bem.

–É mesmo filho?

–Claro mãe.

–AH... Me dá um abração aqui, Chris! É só por alguns dias, até eu e o Syd encontrarmos alguma casa aqui por perto de você...

–O quê? Você vai morar com ele? – perguntou Christian, sem medo da careta que ele poderia fazer desta vez.

–Filho... Claro que vou! Eu ficarei aqui no máximo uns cinco dias, até encontrarmos uma casa pra gente... – disse, atribuindo um novo abraço, agora em Sydney.

–Que bom, mãe... – dissimulou Christian, que sabia que, por enquanto, a melhor resposta era a que a agradasse mais, pois sua mãe ficava ainda mais decidida quando contrariada. – E vocês estão namorando há quanto tempo?

–Dois meses.

–Dois... MESES?

–É. Filho, não era pra você estar trabalhando? – emendou sua mãe, transitando de assunto – Quando cheguei, fui direto a locadora, mas me falaram que você não iria trabalhar hoje...

–É. Foram uns negócios aí que eu estou tentando resolver.

–Certo – Sua mãe parou de falar e ficou o observando. – Vou sair um pouco com o Syd, dar uma passeada pela cidade. Quando voltarmos, a gente conversa melhor...

–Letícia – chamou Sydney, antes que Christian pudesse falar algo.

–Fale, querido.

–Onde é o banheiro?

–Não, eu não sei. Onde é Chris?

–Segunda porta a direita.

O homem se levantou e saiu da sala. Christian aproveitou a ausência de Sydney para falar com a mãe.

–Letícia Nunes Salém, olha onde você está se metendo, em... namorando com um cara há dois meses e já quer morar com ele?

–Christian, eu...

–Me escuta mãe. Isso não está certo. Eu sei que eu não mando na sua vida, mas tome cuidado. Sei que ainda sente muita falta do papai, mas não é assim que vai esquecê-lo. Por favor, não tome decisões precipitadas.

–Ah filho... não exagere...

–Não estou exagerando, mãe. E você sabe que não estou.

Christian escutou os passos de Sydney e parou de falar no mesmo momento. Sua mãe se levantou e se dirigia a porta quando parou, ao olhar para uma das bolsas que trouxeram.

–Christian! Eu já estava me esquecendo! O Sydney trouxe um presente pra você, não é mesmo, Syd?

–É! Espere só um minuto! – O homem foi até uma maleta vinho e pegou um embrulho grande e redondo.

–Abra querido! – disse sua mãe, com uma voz aveludada.

Ele rezou para que não fosse o que imaginava, ser... mas era: um hardlevel novinho em folha.

–Abra a caixa do aparelho, Chris! – pediu Letícia, apreensiva.

O rapaz abriu e contemplou com aversão o mefistofélico videogame. Ele sabia que alguém com desígnios malignos estava restringindo cada vez mais o caminho para alguma conquista. E agora, sua mãe também corria perigo.

–Fiquei sabendo que a única empresa que o vendia aqui faliu, não foi? Esse aí compramos na nossa passada rápida pelo Rio de Janeiro. Falando nisso, isso aí virou uma mania por lá, viu?!

–Não vai jogar? – perguntou Sydney, em tom turbulento.

–Não. Agora não – respondeu Christian, guardando o videogame novamente na caixa.

–Também soube que até agora apenas o Brasil o recebeu né Chris. Acho que já sabia disso, não é? – questionou Letícia, evasiva. – Eu sei que você adora videogames, e foi só eu dizer isso pro Syd, que ele veio com um destes...

–Hum. Muito bom. – Christian oscilou e pensou rápido no que podia dizer – Acho que esse videogame não vai para outros países – conjeturou aleive, sabendo que o que dizia não era verdade.

–Vai sim! – replicou Sydney como se o tivessem ofendido.

–Mas já começou a ser exportado? – averiguou, pois começara uma questão que lhe acarretara curiosidade.

–Não. Estima-se que dentro de um mês.

Christian suspirou aliviado. Esta ameaça não poderia se alastrar por todo o planeta. Não agora...

–Mas jogue logo esse jogo, Christian. Você vai gostar muito...

As últimas palavras de Sydney caíram como uma bomba. Mas o rapaz ainda não conseguia acreditar que o que passava por sua cabeça pudesse ser verdade.

–Sydney, você já jogou hardlevel? – indagou pausado e plácido, como se uma pergunta favorável fosse digna de uma resposta equiparada.

–Já. E só posso assegurar que é um jogo muito bom. É interessante e... Surpreendente...

–Ah, não!

–O que foi filho?

–Estou ansioso para jogá-lo! – mentiu. Christian começou a perceber que a gravidade do problema era grandiosa. Mas ele tinha certeza que sua mãe não creria na história nefasta que tinha para contar.

–Mãe... a senhora nunca chegou a jogar este jogo, não é mesmo?

–Claro que não, filho. Você sabe que nunca gostei dessas coisas...

–Continue não gostando... – sibilou baixinho.

–Isso não é muito difícil – respondeu, empós entender o que o filho havia dito. – Mas então Chris, nós vamos indo, acho que vamos indo sair um pouco.

–Tudo bem. Você tem algum celular contigo?

–Tenho o MP15.

–Então tá. Eu já tenho o número dele. Se divirtam – disse, com um sorriso fingido de canto de boca – Qualquer coisa me liga, mãe...

–Tá bom filho – disse, dando-lhe um beijo no rosto.

–Depois, eu também dou uma passada por lá.

Sua mãe concordou com um gesto carinhoso, e eles saíram. Christian odiou com derradeira exatidão o momento quando Sydney colocou seu braço sobre os ombros de sua mãe... Ele nunca chegou a gostar dos novos namorados dela, mas desta vez o caso era condizente a sua visão paradoxal deles...

Christian ficou reparando pela vidraça escurecida do quarto de hóspedes os dois se distanciarem. Foi quando viu seu amigo, Jonas Anderson, agora em uma de suas exauríveis e raras aparições pela rua. Se atemorizou quando viu que ele se aproximava de sua casa, porém depois desceu outra rua e se afastou dali. Assuntou no mesmo instante em que já não via mais o amigo que era a hora certa para agir. Pegou novamente a jaqueta quente e entrou no seu carro dirigindo apressado até a casa dos Anderson.

Quando a Sra. Anderson novamente o atendeu, e novos pedidos de desculpa foram proferidos, ele precisou sustentar uma mentira para conseguir o que queria.

–Sra. Anderson, eu vim apenas buscar uma mochila que esqueci quando passei por aqui hoje – articulou Christian, que veio planejando o que iria dizer enquanto conduzia seu carro.

–Tudo bem Christian. Entre – obtemperou a Sra. Anderson, que, por alguma razão, não parecia tão bem como nos dias anteriores.

–Muito obrigado, Sra. Anderson. Acho que eu devo tê-la deixado no quarto do Jonas. Ele está aí?

–Não, não está. Mas pode ir lá encima. O quarto é dele, mas a casa é minha...

–Novamente, eu agradeço Sra. Anderson.

–Não há de quê, querido!

Christian subiu as escadas até o quarto do amigo, e entrou sorrateiramente. Fechou as janelas, e acendeu a luz. Não podia esconder a pitada de nervosismo que o envolvia, mas estava tentando ser bastante rápido em seu ato enérgico. Começou, obviamente, a partir da estante de livros: nenhum deles possuía uma capa vermelha e um autor chamado Bóris Brainvich. Depois foi ao guarda-roupa: também nada. Embaixo de sua cama muito menos. Sua procura estava sendo inútil e não surtira nenhum préstimo.

Espaçou uma pequena fenda na janela, e viu que Jonas estava chegando. Em exorbitante desespero, Christian começou a revirar todo o quarto, cuidando de alinhar tudo novamente onde estava, até que o encontrou. Estava ali, embaixo do tapete, e por ser tão fino, ele pisara no livro sem se dar conta logo quanto entrou. Num rápido estímulo o rapaz jogou o livro pela janela, e só não se jogou junto porque provavelmente quebraria a perna pela altura considerável. Esperou o baque do livro ao chão do lado de fora da casa, e desceu as escadas velozmente, dando de cara com Jonas.

–O que faz aqui? – questionou Jonas, num tom friamente horripilante.

–Ele veio buscar a bols...

–Isso! Isso mesmo! – ratificou Christian, atalhando tardiamente que a Sra. Anderson parasse de falar.

–Buscar a... Bolsa? – perguntou, olhando de sua mãe para Christian. – Que Bolsa??

–Que eu pensei ter esquecido aqui, mas não. Não está aqui... – Christian tentava pronunciar formalmente cada palavra. Mas não estava nenhum pouco seguro de quaisquer delas...

–Você não veio com bolsa nenhuma aqui hoje... – falou Jonas, eriçando as sobrancelhas.

–Não?! Então está explicado... me perdoem o desconforto, eu peço novamente minhas sinceras desculpas...

–Querido Christian! Não precisa se culpar! É normal nos equivocarmos às vezes... – amparou a Sra. Anderson.

–É... – ele deteve-se brevemente – Essa é minha deixa, não é? Já vou indo, um abraço e muito obrigado!

–De nada querido! – respondeu a Sra. Anderson sutilmente frugal.

Jonas, porém, não fez nada senão entregar um sorriso atrofiado.

Christian saiu pela porta ainda dando um breve aceno, e pegou conciso o livro debruçado no gramado da família Anderson, correndo o mais rá correndo o mais r no gramado da fam um breve aceno, e pegou rapidamenteernudesse entrar.am.pido que pode até seu carro. Decidiu de última hora ir constatar se tudo corria bem com sua mãe, e saiu apressado. Sabia que encontrá-la em pleno centro não seria tarefa das mais simples; e inclusive precisou percorrer um largo caminho a pé até chegar onde ela estava.

–Filho! Estava nos procurando?... – indagou sua mãe, ao ver Christian se aproximando ofegante.

–Estava – admitiu. – Vocês andam, em? – disse o rapaz, enxugando um punhado de suor que escorria por seu rosto.

–Ah, Chris... Não precisava vir... – respondeu sua mãe, que parecia preocupada pelo cansaço do filho.

–E aí? Jogou o hardlevel? – inquiriu Sydney, oportunista.

–Ah, sim, claro! – contou Christian caluniosamente.

Sydney abriu um sorriso.

–E já está sentindo algum efeito?...

–O que disse?

–Quero dizer, você está gostando do jogo? – pigarreou o homem, tentando desconversar o que acabara de falar.

–Sim, estou... – Christian restabeleceu, sacando muito bem o que Sydney tentara encobrir em frases reformuladas.

–E esse livro em sua mão? Como se chama? – Sydney tentou mudar de assunto logo quando ocorreu-lhe a primeira idéia.

Christian não havia percebido, mas saíra com o livro nas mãos, ao invés de deixá-lo na segurança de seu carro. Graças a isso, teria que pensar em algo para satisfazer a bisbilhotice de Sydney.

–Se chama... “O Observador”. É o novo livro daquele autor que surgiu, o... Ernesto F. Nunes.

–Ah, é o novo livro do Ernesto, filho? Depois eu quero dar uma olhada nele. Você sabe que adoro livros dele...

–Tudo bem, mãe.

–Eu também posso vê-lo? – perquiriu Sydney, em tom pueril.

–Claro. Depois vocês podem até lê-lo juntos... – prescreveu Christian apertando um pouco o passe, pois Sydney e sua mãe andavam equivalentemente rápidos.

–Eu queria ver ele... Agora...

–Agora? – vacilou Christian afastando o livro de Sydney, como se isso significasse um não.

–Filho! Olhe a educação... Dê logo o livro ao Syd!

Mas Christian não obedeceu à mãe. Tentou ignorar e continuar andando.

–Você vai me deixar ver o livro ou não? – questionou Sydney, parecendo intransigente.

Não...

–O que está havendo, Christian?

–É... Eu... OLHEM! – Christian apontou com exatidão para a próxima esquina, para a praça da República, onde uma banda preparava-se para uma apresentação musical. Ele sabia que sua mãe tinha uma grande queda por música. E sabia qual seria sua reação.

–Vamos, querido! – coagiu Letícia correndo e dando pulinhos joviais, segurando o braço de Sydney e o puxando, forçado.

–Claro querida... – respondeu o homem, dando uma última e rabugenta olhadela para Christian, que conseguira o que queria.

–Mãe! Eu vou deixá-los a sós! – Christian teve que gritar, pois o som já estava briosamente alto.

–Tá bom filho! É um grupo muito legal! – exclamou Letícia, dançando e obrigando Sydney a fazer o mesmo, estendendo o dedo polegar até que Christian percebesse um sinal de positivo.

–Ela vai ficar bem... – disse Christian a ele mesmo, sorrindo.

Saiu em franco abarcamento dali, sempre se esgueirando para trás a fim de conferir se Sydney não o estava seguindo. Afinal, uma tênue altivez, pode complicar a qualquer um. O rapaz atingiu o ponto onde se achava seu carro, e guiou-o tão velozmente que parecia estar nas gravações de algum thriller hollywoodiano. Avançou os jardins de sua residência trazendo o livro em suas mãos, e, ao entrar, se sentiu decidido a lê-lo. Jonas não podia... esperar. O tempo era ruidosamente curto. E sabe-se lá o que estava no corpo de seu amigo iria tomar nota do sumiço do livro. E quando descobrisse, Christian com certeza seria um dos suspeitos. Ele ainda desconhecia quase todos os mistérios envoltos à história de Jonas. Todavia, teria que decifrá-los sozinho. Ainda não sabia como faria isso, ou que perigos corria, mas algo dizia que este livro responderia tudo...

6. As Três Pessoas Hipnotizadas

A inscrição na capa do livro parecia ter sido feita de forma buril. Com algum objeto de metal que fosse sólido o bastante para emprestar firmeza às mãos de quem o fez. Christian abriu o livro, e sua asma o atacou: ele estava completamente coberto por poeira, como se há tempos não estivesse sendo folheado. Uma estranha insígnia que se assemelhava muito a uma esfinge estava repousada em sua primeira página, mas Christian não quis gastar muito tempo com ela. Pulou logo para a segunda e tossiu mais um pouco antes de começar a ler:

Proêmio

1. A Invasão

“Conta o conto que eles virão. Sim, virão e tomarão nossos corpos. Serão muitos, e organizarão um método para realizar seus intuitos maléficos. Começarão num lugar, e se expandirão lentamente por todo o planeta. Será como uma estratégia da mais ordinária guerra; unir-se ao inimigo, e destruí-lo de dentro para fora.

2. As Três Pessoas Hipnotizadas

Os seres Extra-terrestres, que até então nos desconhecem tanto quanto os conhecemos, nunca conseguirão invadir nosso mundo sem nenhum tipo de... Subsídio.

“Então são extra-terrestres”, Christian falava sozinho, ponderando numa leve pausa. “Jonas não contou sobre isso”..., completou, e prosseguiu sua leitura.

Reza a lenda, que Três Pessoas serão hipnotizadas para que eles possam obter maior chance de domínio sobre nós. Não se sabe quando ou como essas pessoas serão hipnotizadas, mas elas serão.

3. Como Será nosso fim,

E o novo início para eles

Antigos relatos indicam algum lugar nas Américas como sendo o primeiro território a ser incorrido. Não foi possível especificá-lo, mas haverá um objeto, que proporcionará a invasão.

Seus corpos são inferiores aos nossos, entretanto, suas tecnologias e inteligência são incrivelmente esmagadoras.

–O objeto usado é o hardlevel! E o país invadido é o Brasil! – concluiu Christian, triunfante.

O rapaz lia e relia o início, para que cada frase dele pudesse penetrar e permanecer viva em seu cérebro. Começara a achar ainda mais interessante, pois vinha entendendo muito bem tudo o que era-lhe transmitido nas palavras. Leu todas as suas curtas vinte e uma páginas de modo auspicioso, esperando que pudesse encontrar mais alguma contundente revelação. No entanto Bóris Brainvich não fazia coisa nenhuma, senão enrolar o leitor com os mesmos eventos que citara logo em seu proêmio, como se não tivesse mais nada a dizer, como se mais nada lhe tivesse sido declarado...

Christian fechou o livro e se sentiu cansado. Deitou no sofá e o ficou analisando, acima da mesinha de vidro.

–Ei! – ele gritou, pegando o livro novamente.

Havia um certo volume na contracapa do mesmo, o que na hora chamara a atenção do rapaz. Ele o abriu, e viu que a contracapa havia sido costurada por dentro, manual e disformemente. Estourou a costura com uma tesoura e teve uma surpresa: havia um jornal velho e embolorado, dobrado várias e várias vezes até que coubesse ali dentro. O texto redigido falava acerca de Bóris Brainvich.

Matéria escrita por: Imelda Zimmermman

Adaptada ao português por: Henrique Sobrado

Foto da capa por: Andréa Zhirkov

Os Grandes e Patéticos escritores russos, parte 3

Olá. Para quem ainda não me conhece sou Imelda Zimmermman. Se você atua na área do jornalismo me sinto quase certa que já ouviu falar de mim. Estou sendo bastante badalada (mas nem por isso perdi a modéstia...) devido ao prêmio Pulitzer que ganhei pela minha primeira matéria sobre escritores russos. Como deu tão certo, decidi continuar, incrementado um tanto de sátira, como viram em “Grandes escritores russos, parte 2”. Agora, já na parte 3, me senti incomodada ao ler outro escritor russo curioso, de nome Bóris Brainvich, que para quem teve a sorte de não conhecê-lo, foi um escritor horrendo que assolou nosso país. Eu gostaria agora de atribuir-lhes tudo o que descobri sobre o tal.

Bóris Mavilyenko nasceu em Petersburgo, no dia quatro de agosto de mil novecentos e sessenta e oito. Começou a apresentar problemas mentais logo aos seis anos, mas seus pais faleceram em seguida num acidente de carro.

Ao invés de ser tratado, Bóris foi acabar parando num orfanato, só a início, para verem como o resto da família amava o garotinho problemático.

Aos dez anos ele piorou, e sua convivência social com os outros já estava totalmente afetada. Mesmo assim, continuo dizendo, medidas não foram tomadas e o garoto produziria agravantes rudimentos no futuro...

Ele acabou sendo adotado por uma família norueguesa, mas que morava na Rússia, de sobrenome Brainvich. Aí sim recebeu o carinho e a paz que precisava, melhorando suas condições mentais e sua capacidade de relacionamento com outras pessoas.

Já aos dezesseis anos, Bóris Mavilyenko Brainvich era uma pessoa nova tanto no nome como na vida. E quando terminou os estudos, decidiu, estimulado pelo ambiente sadio de sua casa, se encaminhar para a área de humanas.

Ao todo não sei lhes dizer, mas me contaram que Bóris fez desde Ciências Sociais até Literatura. Mas, sinceramente, ele deveria ter escolhido outra profissão para trilhar, porque escritor não batia muito com seu jeito destrambelhado!

Mas fazer o que, não é mesmo? Lá ia Bóris aos vinte e dois anos de idade escrevendo seu primeiro livro: “A vida do homem que não queria morrer”, que contava detalhadamente a história de um garoto com psicose que cresce apenas em tamanho. Cá entre nós, acho que nesse livro ele se refere a ele mesmo...

Não preciso nem falar que o livro foi um desastre tremendo é claro, afinal, o que se esperava de um doido varrido como Bóris atacando como escritor?

Mas então, dois anos depois, foi lançado o livro menos esperado de todos os tempos: “O Sol”, uma outra investida sem sucesso de Bóris Brainvich. Contudo, desta vez, conseguiu ainda a façanha de ser menos lido que o primeiro: apenas noventa e duas cópias vendidas por toda a grande Rússia.

Antes de surgir um terceiro livro de Bóris, a bela atriz de teatro Kemberly Reily casou-se com ele. Com certeza, não era pelo dinheiro, pois Bóris não era um escritor russo dos mais rentáveis, apesar de ser considerado bom (não sei como!) pela crítica. Entre Kemberly e Bóris, devia realmente existir algum amor na jogada.

A terceira obra de Bóris finalmente chegou às livrarias. No auge do lixo de seus trinta anos, tivemos que aguentar o “As Três Pessoas Hipnotizadas”, o livro mais patético do escritor (por isso o nome alterado da matéria). Ainda hoje não se sabe por que, apesar do fracasso de vendas na Rússia, o fiasco ainda chegou a ser escrito para a América do Sul.

Eu e o resto da Rússia desconhecia o fato de um escritor que não possuía a mínima amplitude em seu próprio país querer exportar seu mais novo e falho livro para outros países.

–Porque ele queria nos informar, sua safada cara-de-pau! – exclamou Christian, como se Imelda estivesse ali na sala com ele. Continuou lendo, mas sem esconder o nervosismo a cada novo ataque da mulher.

Mas não havia exatamente nada que justificasse as ações de Brainvich. Ele era imprevisível...

Por isso, quando soube da notícia, mandei traduzirem minha matéria em português e espanhol, junto com seu livro. Seu terceiro e derradeiro livro. A propósito, eu o li, e me sinto culpada por isso. Um livro horrível. Imaginação pura. Digno de Bóris Brainvich. Narrava uma história (sempre contada através de mitos ou lendas que nem ao menos existem) que seres extra-terrestres invadiriam a Terra.

Anos depois, Bóris fez um pronunciamento acerca de seu terceiro livro: Disse que os relatos contidos nele eram reais, e que havia mantido contato com um E.T. Porém, teve muito medo de relatar antes que o que escrevia era verdade, porque uma informação tão invasiva chocaria seus leitores.

Que Leitores? Não chocaria ninguém, Bóris, sabe muito bem disso. Mas a declaração pareceu ser o fim da picada para sua amada esposa, Kemberly, pois ela decidiu, dizendo que era tudo por amor, interná-lo no velho abrigo psiquiátrico Groulenhouse.

O que aconteceu, porém, foi que semanas após sua internação, Bóris apareceu morto misteriosamente em Groulenhouse, após um suposto assalto, porém, Bóris foi o único a ser assassinado.

Acho que não era um assalto.

Talvez fosse um anti-fã de Brainvich que o eliminou a sangue-frio...

Mas enfim, sua morte encheu de comoção o coração de sua esposa, que se suicidou horas depois de saber da notícia.

O casal deixou uma única herdeira (herdeira? Herdou dívidas das editoras e tudo o mais), Íris Brainvich, que ficou sob a guarda dos avós. Porém, a menina misteriosamente desapareceu.

Bem, eu chego sozinha a conclusão de que toda a história inventada de invasão alienígena não passou de um golpe de marketing chulo desse escritor. Afinal, vocês estão vendo algum alien por aí? Se algum dia verem, me avisem...

–Descarada! Quem deu o golpe de marketing foi você!! Nem sabia o motivo dele mandar o livro pra cá e decidiu mandar junto sua matéria?! Por ganância, não é? Ganância!!! – Christian protestava completamente inconformado de a mulher estar criticando um homem morto... Que não estava ali para se defender...

Ele terminou de ler a abominável matéria de Imelda, mas ainda não conseguira parar de olhar para a foto da família Brainvich, posta bem abaixo da matéria. Podia se ver Bóris, no centro, com um maxilar pronunciado, olhos azuis, e um sorriso contagiante. Kemberly à direita de Bóris, com cabelos ruivos, nariz tênue e incontroversamente escarpado. Na extrema-direita, havia uma garotinha angelical. Tinha os olhos claros do pai combinados aos cabelos vermelho-vivos da mãe. Era a garotinha Íris, que somados aos seus prováveis dois anos e meio da fotografia, devia se encontrar com vinte, vinte e um anos em média.

Christian continuou observando desajustado a foto, e lágrimas arredias e inexplicáveis tentavam evadir-se por seu rosto. “Será que este será o fim da humanidade?”, ele matutava, entoando um canto solfejante e sofredor, porém mudo. “E ninguém, ao menos, dera conta disso?”...

***

Um cão vira-lata examinava um pacote de salgado descartado na cabeceira da esquina, e Letícia regressava à casa do filho, ao lado de Sydney, pela rua quase vazia que começara a escurecer.

–E aí Syd? O que achou do meu filho?

–Eu não sei. Senti que ele não gostou de mim...

–Não, Sydney... Tente entendê-lo... Ele perdeu o pai, e não foi nada fácil. Nem pra mim, nem pra ele...

–Mas, não sei por que, sinto que ele está... estranho. Tentou até esconder aquele livro de mim, você viu?

–Vi sim.

–Por que ele fez isso?

–Não sei Syd, mas deve ter sido sem querer. Meu filho não é de agir assim, grosseiro...

–É. Pode ser. Mas eu ainda acho que ele não gostou de mim...

–Não fale assim querido. Tente se apegar mais com ele.

–Vou tentar...

Enquanto discutiam, abrolhava ao fim da rua um ruflado indivíduo, que vinha numa velocidade estridente.

–AFASTE-SE DELA, SEU NOJENTO! – berrou Christian, segurando firme sua mãe pelo braço, e a puxando para perto de si.

–O que é isso, Chris! O que é isso?!

–Esse cara não é o que parece ser, mãe! Ele é um... Ele é um... ALIENÍGENA!

Sydney começou a rir.

–Do que está falando, filho? Você está louco?!

Christian olhou trepidante para a mãe. Ela nunca o chamara assim.

–Vamos, mãe! Você tem muito o que saber!

Ignorando o olhar convulsivo do homem, virou correndo, apertando sua mão sobre o pulso da mãe para levá-la forçada.

Ao fazer isso, Sydney pulou sobre seu corpo, o impedindo de prosseguir, derrubando-o com força ao chão.

–Maldito! Você SABE!!

Inerte e pálido enquanto prensado no chão, o pobre rapaz lutava para se desvencilhar dos braços firmes que o estrangulavam, mas, sem triunfo algum. Ele sentia que ia ser morto pela agonia, e não pelos braços enrolados em seu pescoço, quando, de repente, Sydney o soltou. Voltando-se para frente, viu sua mãe, com um tijolo de construção em suas mãos.

–Que diabos aconteceu aqui?? – sovou Letícia, obrigada a desmaiar seu próprio namorado na rua monótona.

–É uma longa história, mãe. Venha comigo... – contrastou Christian, se erguendo e acetinando o pescoço.

–Mas, filho! Vamos deixar o corpo dele aqui? Na rua?!

Christian olhou para um terreno baldio ao lado de onde estavam e disse:

–Eu tenho uma idéia melhor...

Saíram ambos a andar apressados dali; Letícia desesperada, e, Christian, muito mais que ela, por estar defronte de algo tão intrigante e irreconhecível.

–Não achei que foi uma boa ideia jogá-lo lá, filho. E quando ele acordar?

–Não sei. Só sei que vamos ter que nos proteger...

Letícia parou.

–Tudo bem. Desembuche logo que história é essa de alienígena.

Eles estão entre nós, mãe! E não pare de andar! – revelou assustado, levando Letícia à força pelo braço.

–Como assim? Então Sydney é um alienígena desde que comecei a namorar com ele?

–Desde que ele começou a jogar hardlevel.

–Não estou entendendo, filho! Você está querendo me dizer que esse tal de hardlevel...

–É a porta de entrada deles para o nosso mundo!

–Mas... Alienígenas? Eles não existem...

–Você consegue me explicar então o que aconteceu lá atrás?

Letícia ficou em silêncio.

–Não, não consigo. Syd estava mesmo estranho depois desse jogo, mas como eu iria desconfiar de uma coisa dessas...

–Mãe, eu peço desculpas pelo seu namorado. Realmente não sei se voltará a vê-lo.

Letícia parou de novo. Possivelmente para raciocinar.

–Christian, então o Brasil foi o primeiro país escolhido por eles?

–Isso mesmo.

–Mas por quê? Logo o Brasil?!

–Eu não sei, mãe. Eu não sei... Vamos, temos de entrar logo – declarou Christian, ao chegar e abrir rapidamente a porta de sua casa.

Letícia entrou e sentou.

Não sabia o que falar, o que fazer, em meio ao fato em que estava.

Seu namorado jogado num terreno baldio.

Pré-morto.

E ela não podia, ao menos, chamar uma ambulância? Ele precisava de ajuda... como... Como... Conviver com isso??...

–Como vou conseguir dormir esta noite! Nós também estamos correndo perigo, não estamos, filho?

–Devemos estar... Mas o grande problema mãe, é que qualquer um pode ser um alien. Qualquer um... – dizia Christian temeroso, olhando para o lado de fora, que se denegria de nanquim.

O rapaz e sua mãe ficaram juntos encostados na janela, observando a lua ser coberta pelo nimbo estrelado. Algumas horas se passaram, e Christian começou a apresentar sonolência.

–Acho que temos de dormir, não é mesmo querido? – disse sua mãe, percebendo o filho com o nariz grudado na vidraça gelada. – A noite está caindo, e devemos descansar um pouco apesar da ameaça, que eu nem ao menos conheço...

–Eu concordo. Você não tem nenhum receio, mãe? De eu dormir também? Se quiser, eu fico acordado...

–É óbvio que não querido! Durma. Não há problema algum nisso.

O rapaz saiu da sala e aprontou o quarto de hóspedes para a mãe.

Indo até seu quarto, deitou-se fadigado como um carteiro após um dia laborioso.

Não demorou muito para que Christian dormisse. Dormisse de modo tão intenso a ponto de nem se lembrar de travar a guilhotina da janela, ou entregar a porta dos fundos uma mera encostada.

Dormiu, e, de repente, algo se aproximou lenta e desconexamente.

Como se soubesse o que ocorreria nos próximos instantes, ele abriu os olhos, assustado, mas era tarde demais: alguém o apunhalara.

“Ah!” ele gritava a sete ventos, segurando a faca posta em seu peito.

Acendeu o abajur, e viu o agressor recuando, como se estivesse arrependido do que acabara de fazer.

Mãe?... Por que você... Por quê?!?

Christian acordou de uma pancada, coberto por suor e com o coração aos pulos. Havia tido um sonho. Um sonho agudamente perturbador.

Se levantou e foi até o quarto onde sua mãe dormia. Estava completamente entregue ao sono; inocentemente debruçada na almofada macia de penas de avestruz.

Ele tinha medo.

Mais medo que acontecesse algo com sua mãe do que com ele mesmo. Não sabia nem que riscos corria, muito menos ela. Por isso e por todos os motivos do mundo tinha que protegê-la. Protegeria Letícia de qualquer perigo que pudesse vir a afrontá-la. Não tinha poderes sobrenaturais para tal feito, mas tinha o amor. E mesmo se perdesse a vida, estava disposto a resguardá-la com seus dois braços...

7. Íris Brainvich

O local era muito sujo. Parecia uma prisão sem grades. A sala desordenada que se juntava a cozinha recebia um odor forte e nauseante que borbulhava do fogão encardido. À meia-luz, dois homens conversavam. Iluminados apenas pela chama acesa de uma vela num castiçal.

–Mas, mestre, fiz tudo o que me pediu! – respondeu em gritante agonia um jovem baixinho e sardento, prosternando-se ao outro.

–Não importa! O tempo que lhe dei foi suficiente para encontrar a garota! É inadmissível que vinte anos depois ela ainda esteja viva!! – exclamou o homem que era chamado de mestre, encostando um objeto dourado no rosto do rapaz curvado a seus pés.

–Não! – urrou o jovem quando algo muito parecido com um carbúnculo brotou em sua pele. A ferida começou a se alastrar perspicazmente até que ele caiu, gemendo e contorcendo-se, soltando uma espuma de saliva pelo canto da boca.

–Idiota – disse o mestre, olhando nervoso e com cara de desprezo para o jovem rapaz caído e deformado no chão. – Me fez perdê-lo por motivos fúteis... – o mestre parou, saindo e voltando os olhos num gesto sábio e atinado – Mas você sabe que sua morte não foi desnecessária. Não posso permitir a queda de toda nossa oligarquia. Não desta vez...

***

A alvorada linda como há muito tempo não se via, e Christian fazia força para desejar não ir chefiar sua empresa numa formosa ocasião como esta. Se perguntava como estariam as coisas sem ele, se estavam lidando bem com sua ausência. Agora sim iria ficar sem ir ao emprego por tempo mais indeterminado ainda, pois não queria tirar os olhos de sua mãe nem por um instante.

Um dos privilégios de se morar próximo ao parque ecológico, é a sinfonia delicada, misturada com os mais diversos acordes, dos bem-te-vis, tuiuiús e demais aves do céu, formando um espetáculo magistral.

Letícia acordava preguiçosamente enquanto Christian preparava algum lanche que não fosse ou guardasse semelhança alguma com hambúrgueres. A cozinha planejada tinha uma bela mesa dobrável que praticamente não tinha utilidade por falta de visitas, e por ele adorar comer no sofá assistindo a qualquer porcaria que passasse na T.V.

Por equivaler a uma das coisas que sua mãe reprovava e muito ser tomar café-da-manhã em frente à televisão, ele a abria tão orgulhosamente.

–Dormiu bem, mãe? – perguntou Christian abrindo um sorriso, quando Letícia entrou na cozinha.

–Sim filho. Mas eu ainda não pude esquecer tudo o que houve ontem.

–Mãe... Tente se acalmar um pouco. Vamos, sente aqui para comer. Eu bati uma vitamina de morango com leite, e aqui tem pão, geléia, e frutas...

–Me perdoe filho. Eu não quero comer nada.

–O quê? Por que, mãe? Você tem que comer alguma coisa, não pode ficar sem se alimentar! Vai se sentir mais mal ainda...

–Sei disso, filho. Mas ainda não esqueci o Sydney, eu... O amava!

–Mãe. Por favor. Eu quero que você...

–Tem alguém na porta.

–O que foi?

–Alguém acabou de bater na porta – Letícia avisou outra vez.

Christian olhou para a mãe imaginando que ela apenas tentou interrompê-lo. Mas ao chegar à porta, ela realmente estava certa: à soleira, uma mulher muito inquieta estava no outro sentido dela.

–Mãe, eu estou entrevistando algumas mulheres para preencherem vagas de emprego lá na locadora, e acabou de chegar uma agora. Eu vou conversar rapidamente com ela aqui na sala, e quero que você coma alguma coisa, tá bem!

–Tá, filho. Vou tentar fazer um esforço.

Christian sorriu outra vez para a mãe, e abriu a porta.

Uma moça linda de modo indiscreto, com cabelos ruivos cacheados e olhos azuis penetrantes. Seu corpo esguio era delicado e formoso ao mesmo tempo, e seu rosto transparecia uma meiguice que excedia qualquer melindre. Christian ficou entorpecido a observá-la, como se ela fosse uma doce substância química, a mais doce que já vira. Atribuindo um sorriso débil e equiparado em higidez e contentamento, sem saber o que dizer.

–Ham... Crreio que você é Chrristian Salém, nón?

–Sou... Sou sim... – respondeu Christian, sem nem ao menos perceber a pronúncia desajeitada do português que a moça possuía. – Entre...

–Clarro, prreciso falarr urrgentemente com você.

A moça entrou rápida, ainda dando uma última olhadela para a rua.

Sentou delicadamente, antes que fosse convidada, e disse não mais tão prazenteira:

–Chrristian, que bom que lhe encontrrei. É muito imporrtante tudo o que tenho parra lhe dizerr...

–Sim. Quero que me conte primeiro porque o interesse no trabalho. Você já tem experiência em video-locadoras? Já trabalhou com algo parecido? E acredito que você não seja brasileira... Não é mesmo?...

SHTÓ SKAZAL? Querro dizer, o que disse?

–Se já trabalhou em uma video-locadora antes...

–Video-locadorra? Eu nón sei de que está falando...

–Não sabe? Como assim?... Não te informaram que o trabalho era numa...

–Esperre, Chrristian. Acho que ainda nón me aprresentei. Sou Írris Brrainvich.

–Íris, você quer dizer? Íris Brainvich?

–Isso mesmo.

Christian ficou pasmo. Não sabia se era exclusivamente por estar cara a cara com a garotinha russa da foto ou pelo perfume almíscar que ela utilizava, que dominou o ar por completo.

–Você... Por que você está aqui?

–Chrristian – a moça titubeou um pouco antes de prosseguir – Você foi a pessoa escolhida parra destrruir uma ameaça que veio à Terra. Os...

–Eu já sei. Alienígenas.

–Já sabe? – Íris intrigou-se.

–Sim. Eu li o As Três Pessoas Hipnotizadas, de Bóris Brainvich.

–Meu pai.

–Isso. Acho que é sim. Pelo que descobri...

–Bem, entón você já sabe do perrigo que nós serres-humanos corremos.

–Sim.

Ela deu um sorriso e mostrou dentes perfeitos.

–Eu vim prronta parra contarr a você tudo sobrre a invasón, mas você já sabe... Entón eu posso pularr parra a prróxima parrte...

Na verdade, Christian nem mostrava ansiedade em saber o que ela iria falar; contanto que ela continuasse a falar...

–... Você foi o nomeado parra defenderr o planeta – revelou Íris, parecendo agitada outra vez – Defenderr o planeta dos alienígenas.

–Espere aí, Íris... Como é que eu vou fazer isso? – interrogou Christian, achando um pouco patético tudo o que ouvia.

Você tem que virr comigo.

–Como é que é?

–Venha comigo. Eu prreciso te mostrrar o que deve fazerr.

Christian ainda não havia encontrado as palavras certas para negar o convite da “quase” desconhecida. Ele só ficava assim, sem jeito, quando terminava com alguma garota bonita, ou conversava com alguma garota bonita...

–Olha Íris, é uma longa história. Não é só porque é a primeira vez que eu estou te vendo na minha vida!... minha mãe está aí, e ela não...

–Sua mãe é Letícia Salém e seu namorrado, Sydney Campos, virrou um alienígena. Disso, pelo menos, eu já sei.

–Como sabe?

–Eu te conto no caminho. Chame sua mãe parra irr conosco. Não há nada parra esconderr dela.

–Está bem. – cedeu Christian, com toda a inocuidade do mundo. – Mãe!

–O que foi, filho? – indagou Letícia surgindo na sala logo após ser chamada.

–Preciso que vá comigo até um lugar. Não quero te deixar sozinha aqui.

–Tá – ela respondeu, olhando desde os olhos azuis e penetrantes de Íris até os castanhos e conhecidos do filho.

–Entón é melhorr irmos...

–Claro Íris.

O rapaz abriu a porta e a primeira a sair foi a própria moça.

–Você veio... a pé?

–A pé querr dizerr caminhando?

–Sim Íris. Quer dizer – respondeu Christian, que, apesar de cômico, sabia que ela falava sério.

– Entón sim...

–Vamos com meu carro.

Christian foi até a garagem e pegou seu Croma.

Ambas entraram, e enquanto dirigia averiguou:

–É muito longe daqui, Íris? – disse Christian, indo à direita, onde ela mesma pediu.

–Muito menos que imagina...

–O que disse?

–Pode parrar. É aqui – relatou a moça, apontando para uma bela casa de vidro.

–Quem mora aí? Você?

–Sim.

Saíram dirigindo-se a residência.

–Nossa... E eu sempre quis saber quem era o dono desta mansão... – declarou Christian entrevistas, enquanto a moça abria a porta da residência com uma chavinha pequena.

–Mansón?... O que é isso?

–É o tipo de casa que você tem...

Íris ainda o observava equivocada, mas ele parou de falar. Entraram no lugar e a vista de dentro era ainda mais vislumbrante: a claridade batia diagonalmente e se arquivava de um borne formoso e escopo. Devia ser muito prazeroso a alguém acordar todos os dias com todo aquele fulgor do raiar.

–Íris, não é? – sua mãe finalmente disse alguma coisa, pois fora a conversa antes de saírem, ela ficou em silêncio por um tempo considerável.

–Isso, senhorra Salém...

–Onde é o banheiro? – inquiriu Letícia, mas, pela primeira vez na vida, Christian desconfiou dela ter perguntado isto apenas para admirar boa parte da casa...

–No fim do corredor, a primeirra porrta a esquerrda.

–Obrigada, Íris...

–De nada.

Letícia abrira espaço para que Íris e o filho ficassem sozinhos novamente.

–Você ainda não me contou como sabe sobre a minha mãe... – argumentou Christian adentrando até um tanto incivil, mas de modo muito inocente, na sala de estar da casa antes da própria Íris.

–Eu...

–Íris!... O que é isso?!!

Christian ficou impressionado com o que seus olhos viam. Antes pensou ser um bicho de pelúcia um tanto descuidado sobre o sofá da moça. Mas, de repente, o bicho piscou e deu uma breve espreguiçada. O rapaz deu uma cambalhota, uma pancada para trás, tomando um susto danado. Uma “criatura-verde”, pequena, de visual maltratado, e um rosto completamente disforme.

O rapaz estava prestes a espancar o ser frágil, que, pelo menos aparentemente, não seria capaz de se defender.

–Chrristian! Nón faça nada! Ele é... Um amigo...

–Amigo?! Não parece... Eu não confio em “coisas verdes”, Íris, desde um tempão, quando comecei a me abarcar na literatura, lendo meus primeiros livros de ficção... – disse Christian, parecendo esperto.

Christian e o ser verde se encararam por raros momentos, até que um deles foi atravancado por uma voz graúda, que se assemelhava a de um barítono.

–E aí? Vai ficar só me olhando e nem se apresentar? Porque, sem ofensas, até agora não vi nada de literário em você, como disse aí, se ostentando o máximo que pôde...

Christian ficou completamente atônito e em estado de choque. Estava olhando para uma coisa verde falante.

–Vamos Chrristian, nón seja mal-educado... Cumprrimente Amanttinis!

–Amanttinis? Quem é Amanttinis? Esse bicho que fala?...

–Bicho que fala uma ova, rapaz! Você sabe em frente a quem está neste momento?!

–Ham... Uma criatura verde falante?

Amanttinis vistou-o anuviado e nervoso.

–Você tem muita sorte. Eu não quero machucá-lo, senão você já estaria morto...

No mesmo momento, Christian se acovardou. Que infortúnios poderiam sair dali? Do diálogo entre ele e um... Um...

–Você está falando sério?

–Se Amanttinis está falando sérrio, Chrristian?

Íris e Amanttinis o arrostaram ao mesmo tempo.

–Clarro que nón! – Íris terminou. – Ele cuida de mim desde que eu erra uma crriançinha!

Christian estava no meio de estranhos. Estranhos que pareciam tratá-lo com um ligeiro vilipêndio. Com certeza, Íris era a menos estranha na sala.

–Bom, rapaz, já que você não quis se apresentar eu mesmo nos apresento. Eu sou Amanttinis, um dos reis dos Ericlashivas que vocês comumente chamam de alienígenas. A propósito, não gosto desta alcunha. Não sei de onde vocês a tiraram, mas ela não bate bem em meus ouvidos... E você é Christian Salém. Um homem de vinte e dois anos que tem uma vida humana feliz. Ainda faltam-lhe...

–Alto lá, prezado Amanttinis!... Como você sabe tanto sobre mim?

–Humanos... Eu vou precisar falar novamente que eu não sou humano para você poder entender? Não somos iguais a vocês, Christian. Somos diferentes.

Christian parecia começar a contrair interesse na conversa. Mas ainda preocupava-se com outra coisa.

–Eu vou ver se está tudo bem com a minha mãe. Ela está demorando, não acham?

–Chrristian, pode deixar que eu vou ver. Fique aí – sugeriu Íris, empurrando seus ombros para que ele voltasse a se sentar.

–Tá bem...

O alienígena continuou.

–Então, Christian, me deixe esclarecer algumas coisas que poderão responder a algumas perguntas que você deve estar tendo. Como já disse sou um dos reis dos Ericlashivas. Meu irmão, Amanttis, é o outro. Quando nossos pais morreram, deixaram a insigne herança que possuíam e a única que precisávamos: uma pirâmide pequena e dourada, que lhes conferiam alguns poderes.

–Poderes? Que tipos de poderes? – Interrompeu Christian, curioso e atento a cada vírgula.

Íris e sua mãe entraram na sala.

–Ela se perrdeu pela casa... – Íris contou – Já expliquei tudo o que está acontecendo parra ela.

–Me permita continuar Íris.

Íris acedeu com um gesto prosaico.

–Que poderes, você perguntou, não foi? São poderes que a pirâmide atribui a cada um que a possui. Na nossa terra, apenas a linhagem nobre pode tê-la, e os poderes apenas podem ser usados a favor do povo. Nossos pais sabiam que nós dois éramos os herdeiros legítimos, e por sermos gêmeos, concordaram no tocante de deixar-nos assumir juntos o reinado. Eles morreram quando eu e meu irmão tínhamos dezesseis anos de idade. Mas antes de falecerem, dividiram a pirâmide em duas partes para que eu e ele pudéssemos dirigir o país desfrutando ambos do mesmo elemento que era nosso por direito.

–Tá bom, mas, pera um minutinho aí. O que é que isso tem a ver com a invasão de vocês ao nosso planeta?

–Um pouco de calma, por favor, dispendioso rapaz. Estou tentando elucidar tudo o mais resumidamente possível, se você me permitir...

–Tá bom. Continue então.

–Eu convivi com meu irmão Amanttis. Pude ver exatamente como ele crescia, cada vez mais ambicioso, querendo conquistar tudo que podia com sua audácia eufórica. O poder que a pirâmide lhe conferiu era forte demais, e sua cobiça era grande demais. Eu sabia que isso traria sérios problemas no futuro... – o extraterrestre fez uma interpelação. Parecia repassar os fatos em sua mente – Num certo dia, meu irmão acordou infeliz com o corpo inerme que tínhamos. Ele dizia que, com nossos poderes, poderíamos ter o corpo que quiséssemos, ou melhor, o corpo de quem quiséssemos. Como podem ver em mim mesmo, nossa estrutura corporal é mortiça e frágil. Essa era a única coisa em nós que ainda era inferior. Para meu irmão, porque para mim e para todos a vida já era boa demais para maiores questionamentos. A angústia de Amanttis de sempre querer algo mais originou uma revolta, que infelizmente foi muito bem aceita por nosso povo. Teria acontecido há vinte anos atrás, se eu não tivesse impedido.

–E como você impediu?

–Relatando a um humano, chamado Bóris Brainvich. Bóris era um escritor, e ele mesmo sugeriu escrever tudo o que lhe disse para que pelo menos algumas pessoas pudessem ser alertadas. Meu irmão ficou furioso quando soube que frustrei os planos dele, e depois disso nunca mais voltei à meu planeta. Cometi o que lá chamam de “pecado indefensável”. Passei o resto da minha vida a proteger Íris, que estava sendo seriamente procurada por ele, devido a um de meus últimos presságios que chegaram a seus ouvidos ter sido que a filha de Bóris poderia impedir seus planos...

–Presságios? Você tem... Presságios?!

–Esse é o meu poder. O poder que o meu pedaço de pirâmide me conferiu. A capacidade de prever acontecimentos. Amanttis recebeu um poder que o ajudou muito em sua investida de invadir a Terra: hipnotismo. Ele tem a capacidade de hipnotizar pessoas, qualquer uma, com um simples olhar. Abusando de seus poderes, ele propôs um plano ao povo. Nele, três humanos hipnotizados já eram suficientes para que ele alcançasse seu pernicioso objetivo de chegar a Terra em total segurança.

–Então você está querendo me dizer que o seu irmão faz parte deste tipo de... Conspiração?

–Christian, você não entendeu nada do que eu venho lhe contando? Meu irmão não faz parte, ele é a própria conspiração! Acima de qualquer ressalva, Amanttis é o principal e específico culpado de tudo que está acontecendo.

–Entendi. Mas me surgiu uma curiosidade: no seu país vocês devem falar português, não? Porque o seu é extremamente bom...

–Ha ha, muito engraçado, mas lá nós não falamos português não. Esqueci de te contar que nós alienígenas, modéstia parte, somos seres muito mais inteligentes e adiantados, adiantados mesmo, acho que anos-luz a vocês, em tecnologia. Aprendemos a língua de vocês em três anos.

–Três anos? Você acha isso pouco? – debochou Christian. – Com três anos eu também já sabia falar...

–Você já falava todas as línguas do seu planeta em três anos?

O rapaz ficou boquiaberto.

Amanttinis o arcou com uma face risonha e continuou.

–Bem, eu tenho que terminar de explicar-lhe, pois tenho certeza que ainda deve estar muito confuso. Quando Amanttis hipnotizou três humanos, finalmente foi possível adentrar em segurança no planeta Terra. Esses homens guardavam claro uma certa relação com o que nós pretendíamos, pois todos os três trabalhavam na mesma área: videogames. Cada alien projetou o seu próprio videogame, escolhendo a dedo o corpo do ser - humano que iria dominar. Quase todos que eu pude observar, optaram por corpos de garotos e garotas jovens, com pouquíssimo tempo de vida, mas eu escolhi você.

Eu? – questionou Christian, olhando no fundo dos olhos do alien.

–Sim, você. E eu fui o único que desenvolvi um videogame com defeito, de modo proposital. Antes de virmos, contei a meu irmão que não tolerava o plano desde o início, mas ele não me deu ouvidos. Até que tive a visão...

–Que visão?

–Que se eu não o obedecesse, e, mesmo que às escondidas tramasse algo para impedi-lo, ele não conseguiria terminar o que começou. Minha estratagema vem dando muito certo, agora que eu e Íris temos a pedra angular do nosso planejamento.

–E o que é?

–Ora, é você, Christian!

–Eu? Mas...

–Você foi o único até agora que jogou o videogame e não perdeu seu corpo. Você é a pessoa da minha visão. A única pessoa que pode impedir tudo isso!!

–Eu não posso não! – bradou Christian em tom irritadiço. – Como eu vou participar de tudo isso, se eu nem ao menos os conheço direito?? Você é um alienígena! Eu ainda não confio em você!!

–E nos humanos? Você confia?.. – cortou Amanttinis em tom contundente. – Pois pelo pouco que conheci a raça de vocês são tão inconfiáveis quanto nós podemos ser. Eu podia muito bem estar em seu corpo neste momento, nós não estaríamos aqui tendo essa conversa, e com certeza seria o fim da humanidade. Sim, eu traí a confiança do meu próprio irmão, para ajudar uma raça que eu nem ao menos conhecia. Então se você, que é um humano, não quer defender seu próprio povo, eu desisto.

Christian estremunhou.

Mas por dentro.

Olhou de Íris para sua mãe, que fez um sinal de que o filho deveria obedecer ao alienígena.

–Eu acho que lhe devo desculpas.

Amanttinis o olhou mais sério e amigável.

–Me desculpe se lhe ofendi de alguma forma Christian. Porém, se você não acreditar em mim, tudo o que planejei vai por água abaixo, e...

–Eu aceito sua proposta.

Todos na sala sorriram.

Inclusive Letícia.

–Tudo bem. Ainda tem algo que quer muito saber, Christian?

O rapaz pensou rapidamente, entrevendo os pensamentos.

–Por que um... Videogame? Algo tão... inocente...

–Justamente pela última palavra que disse. Inocente. Qual faixa etária dos humanos mais joga videogames? Crianças. Isso significa corpos em sua maioria jovens, o que não seria obtido com um cigarro, por exemplo. O videogame holográfico é algo ingênuo e viciante ao mesmo tempo. E toda essa tramóia pútrida veio da mente de meu irmão..

“Como alguém pode planejar tamanha truculência? Como? Como pode alguém pensar em tirar a vida de crianças, de adolescentes... Eles não eram humanos, apesar de humanos serem capazes de atrocidades maiores que essas”...

Sem querer, Christian acabou chorando. Chorando por quê?

Por todos os sofrimentos do mundo.

O inofensivo e bondoso Amanttinis, já ganhando a confiança de Christian, levantou-se com extrema dificuldade do sofá para que pudesse entregar uma leve carícia no buço do rapaz.

–Está vendo, Christian! Isto o diferencia do meu irmão. Seu amor! Ele não quer saber de nada senão de si mesmo. Em minha opinião, ele está pouco ligando para os outros alienígenas. Ele não possui um pingo de altruísmo. E você sim, você possui, por isso pode derrotá-lo!

–Eu estou pronto para o que der e vier – garantiu Christian, olhando para o porto seguro que o panorama de sua mãe lhe representava.

Os vidros temperados com uma cor ouro traziam um brilho descomunal ao rosto do rapaz.

–Que bom. Que bom que passou a entender, amigo Christian. A sua vida, neste momento, é a mais importante de todas neste mundo. Você está pronto para que eu possa prosseguir para a parte final?

–SIM...

8. As Pirâmides Irmãs

Uma moça morena e de rosto enxovalhado esperava por algo sentada num banco do extenso parque do Ibirapuera.

De repente, à sombra da marquise dum edifício, surgiram três pessoas encapuzadas e uma delas, ao aproximar-se, desvencilhou a capa do rosto com extrema ligeireza, mostrando uma fisionomia petulante, segura, de olhos verdes e argutos, uma barba rala que começara a crescer a pouco, e cabelos castanho-brilhantes penteados para trás com perfeita exatidão.

–Tirem logo a capa, inúteis! – ordenou o homem, e dois garotinhos surgiram detrás delas.

Do meio de uma moita de azaléias pularam mais dois, que correram com pressa até onde os outros estavam.

Um deles, alto e de nariz turvo, começou:

–Estamos seguros?

–Totalmente.

–Olhe mestre, eu sou Eklinis, e...

–Vamos cortar as apresentações – o homem de olhos verdes parecia impaciente. – Contem logo tudo o que conseguiram.

Todos ficaram em silêncio, como se não tivessem ouvido a última frase do homem.

–Contem inúteis, eu quero resultados! Vocês andam e andam por aí, e nunca conseguem obter nada?!? Um por um então irá falar qualquer progresso que teve!!

Ele coleou primeiro a mulher jovem, com um olhar áspero e seco, e ela respondeu na mesma hora:

–Eu encontrei outros de nós que tinham sumido! Dezenove no total!

O homem fez uma cara de desgosto.

–Muito bem. É aceitável. Alguém mais?

–Eu consegui nosso esconderijo chefe, se esqueceu? Para que o segundo rei Amanttinis nunca mais possa retornar.

–É verdade, Jungnis. Você também cumpriu com seu dever. Mas nunca mais o chame de rei. Chame-o no máximo pelo nome. Agora sou o único rei de Ericlashiva.

–Sim senhor.

Antes que qualquer outro pudesse falar, um garoto gritou:

–Eu encontrei o abrigo de Íris e de seu irmão!

–O que disse?

–Sei onde Amanttinis se esconde!

NÃO ACREDITO!...

A resposta do garotinho supriu qualquer outra. E um riso gracioso e excitadamente sinistro saiu da garganta do homem.

***

Christian já havia depositado grande confiança em Amanttinis, e o mesmo dera conta disso. O jovem rapaz sabia que iria lutar contra forças inimagináveis, talvez insuportáveis, mas sua fé era suficiente para prosseguir lutando.

Amanttinis se mostrou surpreso no diálogo descontraído, pois pensava que Christian não compreenderia uma vírgula do que ele tinha a dizer. Mas ele tivera uma visão com Christian Salém, e tudo indicava que seu plano poderia dar certo. Ao saber da história de Jonas Anderson ficou ainda mais impressionado, muito interessado no tocante que o amigo do rapaz morreu devido ao videogame, e utilizou um tipo de código para realizar conexão com ele.

–Eu criei este código! E ele foi escrito por Íris num livro que acabou sendo chamado de Relatos Secretos de Bóris Brainvich, pois eram algumas coisas mais que Bóris não pode escrever em vida.

–Isso quer dizer que alguém que está com Jonas leu o livro!

–Isso mesmo!

O alienígena tinha uma aparência apavorante para Christian, que era um humano. O rapaz nunca acreditara e muito menos imaginara como seriam os extraterrestres, se existissem. Mas alguma coisa, talvez seus olhos, resplandeciam-lhe pureza.

–Christian, todo o meu trabalho, todo o meu empenho, e toda minha dedicação em tentar ajudar a humanidade, se resume a isso...

Amanttinis pegou um embrulho num papel branco, bonito, e retirou um objeto dourado e flamejante, com luz própria. Uma pirâmide partida ao meio jazia nas mãos verdes de Amanttinis.

–Pegue-a.

Porém, antes que Christian pudesse fazê-lo, Amanttinis recomendou:

–Use o papel. A pirâmide pode estranhar você.

–“Estranhar”? Como assim?

–Se incomodar. Por você nunca tê-la tocado, por ser um humano, e por outros motivos mais.

–Então você quer dizer que a pirâmide é como um... Ser vivo?

–Sim.

Christian olhou para Amanttinis e colocou a pirâmide em suas mãos, com o papel devidamente asseado por sobre ela.

–Isso é lindo, Amanttinis...

–É, eu sei. Mas muito perigoso quando usado para o mal.

Aquém do furacão de perguntas que colimavam suas idéias sobre Amanttis, o rapaz escolheu a cardeal:

–Amanttinis... Depois de tudo o que me disse, surgiu-me a seguinte idéia: por que Amanttis simplesmente não hipnotizou Bóris? Ele poderia conseguir tudo o que queria, inclusive Íris, e você...

–Ele não fez isso... Porque sabia que eu preveria tudo o que ele pudesse fazer. Naquela época, eu podia prever o que quisesse! Apenas pensava em certa pessoa, e podia ver qual seria seu futuro. Agora, meus poderes abateram-se juntos comigo...

–Não fale assim, Amanttinis... Você ainda deverá viver muito...

–Nón, ele nón vai, Chrristian. Seu fim está muito prróximo.

Íris acariciou o rosto do alienígena que praticamente a ensinara a viver.

Letícia pareceu querer falar algo:

–Se seu fim está próximo, como...

–AH!

Amanttinis bambeou e caiu ao chão, segurando sua cabeça com muita força.

–O que foi! O que está havendo, Íris?!

–Ele está tendo uma visón...

–Mas..., é assim? Ele sofre tanto para...

Vocês têm que sair daqui!

–Porr que, Amanttinis? O que você viu?

–Não há tempo para perguntas Íris, vão agora!

Num gesto imperioso, Íris agarrou Letícia e Christian pela munheca puxando-os com eficácia.

Amanttinis ainda parecia compungidamente esfalfado, mas Íris mesmo assim o deixava lá, sozinho, caído e definhando no chão da casa de vidro.

–Íris, não podemos deixá-lo! Ele irá morrer! Temos que protegê-lo!!

Christian se desvencilhou dos braços da moça e voltou à casa aos pulos, com um imo enérgico e latejante.

–Vamos, Amanttinis, vamos!

Christian começara a erguer no ar o corpo de pouco peso de Amanttinis para que pudesse levá-lo consigo, para que pudesse tirá-lo dali...

–Meu irmão está vindo, Christian, vá embora!

–O quê?

–Meu irmão! Ele irá me matar! Eu não posso mais impedir, saia logo daqui! Você é a única esperança do seu planeta!!

Christian não conseguia ouvir e aceitar aquelas palavras, ao mesmo tempo. Não queria obedecê-las. Queria salvá-lo também, salvar o extraterrestre que conhecera e confiara em poucas horas...

–Vá embora agora, Christian! Ele já está muito próximo!!

Amanttinis se lançou dos braços firmes de Christian para o chão outra vez.

–Íris tem todas as outras informações que você precisa! Quero que vá neste momento, senão nada do que lhe disse e fiz até aqui terá valido a pena!!!

O rapaz olhou pela última vez dentro dos olhos consolantes de alguém que parecia plácido demais mesmo ciente de sua própria morte.

–Adeus, Amanttinis. Sua morte não será em vão!

E saiu fechando a porta com grande destreza.

***

Um carro grande e desatinado vinha cantando os pneus pelas vielas. Rumava em alta velocidade em direção a uma casa de vidro.

Extrapolou os cento e noventa por hora numa pista lotada, passando por vias e avenidas dispostas de muitos carros. Até que chegou num bairro pacato, iluminado e limpo, parando com pressa na esquina.

Apenas um homem com um elevado corpanzil e olhos verdes e sutis saiu do carro. Entrou fácil na porta apenas encostada e deu de cara com um horrendo anão verde, distendido no chão.

–Eu esperava por você, irmão...

***

Christian dirigia tremendo. Sua mãe, a seu lado, queria confortá-lo, mas não sabia o que dizer.

Enfim chegaram à casa do rapaz, e ele estacionou o carro em sua garagem. Permaneceu lá, sentado, e todos dentro dele fizeram o mesmo.

–Droga! – ele exclamou, dando um soco no painel.

–Calma, filho. Estamos todos bem...

–Bem? Estamos todos bem? Mãe, há uma ameaça terrível aí fora e quem foi chamado para destruí-la? Não, não foi nenhum herói de histórias em quadrinhos, nem um personagem de filmes de aventura, fui eu! Um homem que ainda é um guri!

–Não diga isso filho, você...

–Não mãe. Não quero conselhos. Só quero paz. Paz para refletir sobre essa loucura. Ainda não sei ainda quais serão minhas peripécias para vencer tudo isso...

–Chrristian. Acho que é melhorr entrrarmos. Já nón é tón segurro aqui forra.

–Vamos.

O rapaz levantou-se flébil e Letícia colocou suavemente as mãos sobre seus ombros, como se isso o fizesse se sentir mais alentado.

Íris apanhou as chaves da casa com Christian e abriu a porta.

A casa era mais quente a aconchegante do que a brisa gelada da rua. O agradável cheiro de bálsamo da casa do rapaz procurava acalmá-lo, despendendo seu aroma portento em suas narinas sensíveis.

Mas não era isso que o acalmava.

Uma subvenção provinha da pirâmide.

A pirâmide dourada em seu bolso, que ele retirou e vislumbrou com a mão protegida pelo papel branco. Era a segunda vez que ele a colocara em sua mão em magros minutos, e era a segunda vez que ele se sentia inteiramente revigorado neste dia. Aquele objeto, um triângulo vivo quebrado medialmente parecia ser vitalizante, restaurador. E aquele objeto, de certa forma, o ajudaria a salvar o planeta.

Mas, e o seu estado moral? Será que ele se encontrava pronto para tal proeza?

Todos na sala pareciam repudiar qualquer tipo de desordem; Letícia era a mais silenciosa da sala, seguida de perto por Íris, que parecia esperar o momento propício para falar. Quando Christian lhe entregou uma visada favorável ela deu início a suas palavras:

–Chrristian. Temos que começar a agirr logo, parra que seu amigo, o namorrado de Letícia, e todos os outrros que perderram seus corrpos possam voltarr a viverr.

–Sim. O que temos que fazer?

–Ir até o esconderrijo de Amanttis e seus comparrsas.

–E você por acaso sabe onde é o tal esconderijo?

–Sim. Cerrta vez, Amanttinis me mandou seguirr um alienígena. Acabei dando num beco escurro, e a residência que vi, bateu com uma de suas visóns em que ele via seu irrmão entrrando no mesmo local. Só poderremos ir até ele quando você exercerr total domínio sobrre a pirrâmide.

Christian assentiu ao que a moça disse, e olhou novamente para o poliedro em suas mãos. Decidiu tirar o pano que o resguardava.

–Nón faça isso, Chrristian!

Ele não obedeceu, e viu sua mãe e Íris trepidantes com que consequencias sua decisão poderia acarretar. A pirâmide, porém, não produziu nenhum efeito adverso, moldando-se perfeitamente a suas mãos como provavelmente acontecia com Amanttinis.

–Então... O que estamos esperando? Preparem-se, vamos agora mesmo!

***

Fora dos limites da cidade, os olhos cansados de Amanttinis examinavam minuciosamente seu irmão ao volante, e três bestas em corpo humano que sorriam para ele. Só olhava, porque sua boca estava amordaçada e seus pulsos amarrados com um material similar a cilício.

Estava sonolento como se tivesse sido anestesiado, mas permanecia lúcido. Não queria perder nada que lhe fariam.

Aqueles monstros cruéis. E eram seus concidadãos. Seu nojo atroz por eles era maior que tudo.

Amanttis parou o carro de modo brusco, e Amanttinis só pode ter certeza de que estava a centenas de milhas da urbe.

Os que se encontravam no banco de trás com Amanttinis sentiram no mesmo momento que deviam pegá-lo. Mas Amanttis alertou:

–Me dêem as honras, por favor. Vocês não são tão puros assim para tocar em meu irmão, que um dia foi um dos reis dos Ericlashivas.

Abriu a porta do carro, e pegou Amanttinis em seus braços, como um filho. O pequeno alienígena amordaçado só pode mirar com os olhos seu irmão, esperando cada ato sórdido que emanaria dele.

Entraram todos os cinco, Amanttinis levado no colo, dentro de um solo verde, terreno grande, e abandonado. Havia muita lenha e um pote com álcool. A vegetação acabava no lugar onde estavam acavalados os gravetos.

Sem explicação fidedigna, o local parecia preparado para um verdadeiro martírio.

Amanttis jogou seu irmão na terra como se jogam entulhos no lixo. Ele bulia incomensuravelmente ao dizer:

–ESTÁ NA HORA DO SHOW!...

***

As coisas mudaram muito no grupo criado por Foster e Jonas desde que Susane decidiu deixá-los. A moça alegou dever a decisão da saída o fato de, segundo a própria, ninguém gostar dela ali; e por Jonas e Samuel quererem “mandar” em todos.

Porém, de uma forma geral, cada um deles individualmente, cada qual com seus graus, estavam descrentes de que pudessem retroceder a existência, ter de volta seus corpos, suas famílias, suas afeições...

Era desesperante para qualquer um deles imaginar que não poderiam mais voltar, mortos de forma tão ingrata.

Foster permaneceu por dias compenetrado em sabe-se lá o quê. Assim, afastados, cada um estava mais desordenado que o outro.

E certos dias se passaram depois que Susane se foi.

–Sabe de uma coisa, Jonas...

–O quê, diga lá.

–Eu já desisti há muito tempo de lutar por nossas vidas. Estamos mortos, cara. Mortos! Simplesmente acabou!! Foi muito estranho o modo como acabou, mas infelizmente o fim chegou para nós.

–Não fale assim, Henrique. Você tem uma vida toda pela frente ainda garoto! Não pode ceder, assim...

A menininha de cabelos castanhos falou:

–Eu também já desisti. O Fábio desistiu, a Luísa, a Susane, que inclusive foi embora, até o Foster desistiu. O cara se isolou e não quer mais a presença de ninguém!

–Não fale isso, Bella. Não podemos perder as esperanças.

–Jonas, pare, por favor! Eu acho que até esse grupo já não faz mais sentido! Se estamos mortos, o que acha da gente se separar?! Vou embora agora mesmo!

–Você? Eu que estou fora daqui! – imprecou Fábio, nervoso.

–Eu também vou sumir por aí – avisou Henrique.

–Sumir por aí?! Vocês são... Crianças!!

–Crianças... Estamos mortas, então não há problema algum...

Os três pequeninos se levantaram, saindo de seus respectivos bancos, dividindo-se e sumindo em poucos instantes.

Jonas não acreditou. Mas também não os chamou de volta. Deixou-os ir.

No fundo, bem lá no fundo, Jonas também já havia desistido...

***

ELE nunca havia se sentido tão bem em sua vida até o célebre momento em que a pirâmide estava em suas mãos, despida de qualquer coberta.

Antes mesmo que pudessem realizar qualquer corajosa decisão, Íris passou-lhe escritos que Amanttinis deixara a ele:

Querido Christian, se você tem este bilhete em mãos, eu já não devo mais estar entre vocês. Quero que saiba que a pirâmide que lhe entreguei é um objeto de extremo poder. Peço que vá atrás de meu irmão, com muita cautela, e nunca, de forma alguma, o deixe possuí-la. Será o fim de tudo se Amanttis conseguir minha parte da pirâmide.

Meu irmão não sabe, pelo menos por enquanto, que você a possui. Ele não sabe quem é você, o que faz, e isso é um ponto a seu favor. É importante que sua identidade seja preservada até que chegue a ele. O seu objetivo para restabelecer tudo, é conseguir o outro pedaço da pirâmide, o que pertence a meu irmão. Por isso precisa ir até ele. É a única forma de destruí-lo, e por fim nessa história de uma vez por todas.

Lembre-se disso, é muito importante: meu irmão sentirá, sem querer, minha falta. Não somos apenas gêmeos, Temos uma ligação desde antes de nascermos, e isso com certeza vai ajudá-lo muito.

Quando você tiver os dois pedaços de pirâmide em seu poderio, deve uni-las e proferir as seguintes palavras: ”Deminstifus Maléfiquis Poderes”.

Decore isso, por favor, Christian!

É o encanto que quebra todo o mal. Que destrói meu irmão e meu povo.

Você é a intervenção, do Bem contra o MAL.

Adeus, Christian.

Sei que vai de conseguir.

Tenha uma boa vida.

–O que é que está escrito aqui? “Deminstifus Maléfiquis Poderes”?

–Isso. Você tem que decorrar.

–Claro. Pode ter certeza que isso aqui nunca mais vai sair da minha cabeça...

–Tomarra.

Íris olhou para Christian com um olhar sereno e compassivo, como o de um anjo. Letícia não fazia nada senão examinar a afinidade na troca de olhares que os dois tinham.

–Íris, você saberá guiar-nos exatamente até o local?

–Sim, Chrristian.

A moça e o rapaz se levantaram, mas Letícia permaneceu sentada.

–Eu não vou, filho.

–Perdão? Acho que não entendi, mãe.

–Eu não vou com vocês. Não é pelo risco, e sim porque quero descansar, sobrestar um pouco essa psicose...

–Mãe, você não pode ficar sozinha aqui! Eu não vou permitir... Ainda tem aquele seu namorado, ah droga! E se ele vir aqui?!

Pare filho, pare!... Isto não é tão perigoso quanto pensa. Eu vou ficar aqui, sob custódia. Não há alienígenas com corpos humanos invadindo casas e matando pessoas, pelo que eu saiba. É um tipo de conflito interno.

–Mãe...

Íris interrompeu os movimentos de Christian em discórdia a Letícia.

–Ela está cerrta, Chrristian. Não fique tão prreocupado. Sua mãe estarrá mais segurra aqui do que indo conosco.

–Está bem, então.

Numa fração de segundos, em leves instantes, o rapaz sentiu uma paz tão grande sobre sua mãe, tão inexplicável, que seria impossível de se descrever corretamente.

–Vamos.

Ele deu um largo abraço em Letícia; e foi seguido por Íris.

Antes que pudessem sair, Christian disse com constância:

–Eu vou voltar, mãe. Você vai ver.

Letícia queria chorar, mas esperou que seu filho batesse a porta para que pudesse fazer isso.

–Eu sei que vai voltar, Christian. Eu sei...

9. A Última Profecia de Amanttinis

Todos os alienígenas estavam reunidos, como se a ocasião carecesse de um ajuntamento extra-oficial.

O céu cor-de-rosa começava a caiar o sol. A vários metros do chão havia sido erguida uma grande fogueira.

–Morra Amanttinis! Não precisamos mais de suas visões!

–Você não sabe o que está fazendo..., irmão. Eu não vivo sem você, muito menos... Você sem mim... – Respondeu Amanttinis, ofegante.

–Cale a boca! – Disse, acertando um outro intermitente chute no estômago do irmão, ainda caído e sem atuação, com seu frágil corpo alien. – Não é mais necessário que acreditemos nas tolas superstições de nossos pais!

–Faça o que quiser irmão... Porém, você perderá no final.

–... O que disse?...

Amanttinis sorriu, e seu sangue verde e viscoso escorreu por seus lábios.

–Ah, maldito! – Guinchou Amanttis, e ergueu o irmão, moribundo, no ar. – Estão vendo esse asqueroso? Ainda por cima, disse que destruiu a sua pirâmide para tentar me impedir. Vocês acham que isso vai me impedir? Acham? – Rugiu para todos os aliens ali presentes. – Ele vai morrer. E morrer... QUEIMADO!!!

O olhar de aspiração se fez no rosto de Amanttis. Com extrema brutalidade e inclemência subiu o corpo do irmão à fogueira a pouco aceso e depositou-o nela.

... MORRA, MALDITO. – Cochichou Amanttis ao pé-de-ouvido do irmão.

Amanttinis permaneceu em silêncio por alguns instantes, no centro do fogaréu. Porém, quando o fogo começava a corroer-lhe a pele, ele urrou de dor.

Morra! Morra!! Morra!!!

–AHHHHHH! – Os gritos ardentes de agonia de Amanttinis faziam quase todo o ambiente, com exceção de Amanttis, se calar.

–Isso tudo está acontecendo porque você não me obedeceu..., TOLO!! Não é mais rei nenhum! Agora é um simples e bucólico alien!!!

Com os últimos sopros de vida que lhe sobravam, Amanttinis declarou:

–Amanttis, só quero que saiba que... Você não será capaz de destruir este povo – todas as suas forças se resumiam a estas palavras – Alguém já sabe sobre seu plano... E ele será a intervenção... Irá te aniquilar, e aniquilar a todos vocês exatamente como fazem comigo!...

–Isso é dificílimo a esta altura, seu estúpido! Quem é este humano? QUEM?...

–Não é você quem irá encontrá-lo..., ELE... Irá te encontrar... E minha última profecia se cumprirá, Amanttis... Se cumprirá...

E, dizendo isto, o rosto de Amanttinis caiu sobre seu peito... E nunca mais se levantou.

***

O tráfego estava horrível, e, para piorar as coisas, Íris mal sabia para onde o estava levando.

–Chrristian, acho que entrramos na pista errada de novo...

–Ah, não... De novo, Íris? Vou ter que dar a volta.

–Nón, tem um desvio, bem ali...

Íris indicou a placa que recomendava o desvio na pista.

Um turbilhão de adágios passava pela cabeça de Christian, como num lampejo, enquanto volvia o volante do carro. Várias lembranças invadiam sua ponderação. Sua infância, Jonas Anderson, sua mãe... Pensava em que iria fazer, como iria lutar contra o poder do perverso Amanttis, o alienígena incorporado em humano. O maldito matara o pai de Íris, e provavelmente, a esta altura, seu próprio irmão.

–Chrristian.

–Fale.

–A pirrâmide está com você?

–Sim. Segura em meu bolso.

A temperatura ia caindo, o dia ganhando muita bruma, e o logradouro que agora entraram era feio, e tão coberto por cedros que o céu deixava o ambiente ainda mais enegrecido.

–Parre.

–O que você disse?

–Ham... Pare.

Christian acuou.

–Íris, você viu o que acabou de falar?

Pare.

–Isso mesmo! Pare! Você não puxou o erre!...

–Chrristian, não há tempo parra brrincadeirras. O lugarr é aqui

10. O Covil das Cobras

A casa era muito feia. O local era mambembe. Talvez o esconderijo mais discreto e sujo da cidade.

O calçamento desgastado da rua, as casinhas desagrupadas, o rio sujo que corria ao lado delas. Com todo o progresso que os dois mil e dezenove anos da humanidade tinham, aquilo era tudo de mais vergonhoso que o homem poderia gerar. E levava a triste conclusão de que o avanço trazia ainda mais pobreza para o mundo.

Por precaução, Íris pediu que Christian estacionasse o carro esquinas antes.

O rapaz saiu andando impaciente.

Sentia-se como um cantor ansioso e acovardado, prestes a sua estréia nos palcos.

Íris segurava sua mão, de um modo muito forte, mas mesmo assim, confortante, e ele desejou que ela não a soltasse nunca mais.

Eles seguiam pela rua recém-escura, respirando a força o ar fétido do local, que era ainda pior pelo rio coberto de esgoto que desembocava por ali.

Chegaram quando Íris apontou.

E era um espaço horrendo.

Um matagal alto no lugar onde devia se encontrar um canteiro bem aparado. Mirtáceas mortas se espalhavam como um formigueiro. O gradeado coberto por ferrugem estava escancarado, como se uma visita já fosse esperada.

–Mas que lugarzinho mais horrível! Não me lembro de ter passado por aqui nunca na vida! – Christian apressou a ressaltar.

–Temos que entrrarr na casa, Chrristian.

O rapaz concordou com a cabeça, mesmo sem haver concordância com sua mente.

Entraram.

“Repugnante ideia”, Christian pensou.

Havia uma piscina grande, ampla, que até agora era o item mais limpo da casa.

Por dentro, era mais miserável que por fora.

O local cheirava absinto.

Havia uma mesinha de granito para refeições, onde se encontrava aluá posto em jarras. Um candelabro prata iluminava nada. A casa estava vazia. Completamente.

Christian e Íris andavam com açodamento em território inimigo. Procuravam a outra parte da pirâmide. Tinham a esperança de que Amanttis a tivesse deixado lá, só...

De repente, barulhos. Conversas. Se aproximavam mais e mais da saleta imunda.

–Eles chegarram...

Íris e Christian subiram escadas como num instinto; chegando a uma altura considerável, uma saliência se precipitava no teto.

–É um sótão, Íris! Vamos entrar!...

Christian levantou a moça para que pudesse introduzir-se no compartimento, encaixado na armadura do telhado. Íris o ajudou logo depois.

Deixando uma pequena fresta, para que pudessem enxergar tudo abaixo deles, ficaram a espreita, vendo e ouvindo tudo que pudessem.

Entraram cerca de oito pessoas: em sua maioria, crianças.

Vocês viram aquilo?! Ele tentou botar medo em mim!

–Será, majestade? Será que ele não falava sério?

Falar sério? Me poupe, Derinslink! Não tem como aquilo ser verdade. Um humano vai me abater como? Você viu o que ele disse? Que destruiu sua pirâmide para que eu não pudesse pegá-la, a maior asneira que poderia ter feito...

–Mas e Íris, mestre? Não pode ser um perigo a mais? O senhor não se lembra da visão que ele teve, há alguns anos?

–Íris... – um riso debochado e cheio de cinismo saiu do homem de olhos verdes – Íris já deve estar... Morta. Como pode alguém simplesmente sumir! Vamos, me diga! Há muito tempo que ela não dá as caras, nenhum de vocês a encontrou. Inclusive, chegou-me a informação de um de meus apontamentos de que Amanttinis nunca chegou a estar com ela.

–Mestre, então quer dizer que conseguimos! Vencemos!! Seu irmão era o único que ainda podia nos impedir!

–Claro imbecil, agora deduziu isto? Eu sabia que nosso plano não iria falhar! Sou um gênio, não sou? Exclusivamente graças a mim, vocês vão viver com corpos muito melhores! Nossas vidas serão mais longas, mais longas que as dos próprios humanos...

Christian nunca vira Amanttis na vida, mas podia afirmar confiante que era o alto de olhos verdes, o mais audaz e cínico da sala.

–E se o seu irmão não destruiu a pirâmide dele? E se...

–Bobagem. Já sei o que vai falar. Que ele entregou a pirâmide a Íris. Impossível. Improvável.

–Senhor, temos apenas um problema.

–O quê?

–A falta de seu irmão. Ela pode matá-lo.

–Outra bobagem. Bobagem sobre bobagem... Isso é apenas uma lenda, querido. Uma historinha mitificada. Cortando este assunto inculto, quero informar-lhes que vamos realizar outra reunião, nesta noite. Já avisei todos que os quero aqui, até o fim do dia.

Um garotinho que sentado numa poltrona carcomida apenas observava a conversa, decidiu participar.

–Mestre, temos outro problema.

–E qual é?

VISITAS!

O garoto pegou um cabo de vassoura e bateu com força na portinhola do sótão. O cabo golpeou em cheio o rosto de Christian, e o soalho podre desabou no mesmo momento.

Íris e Christian caíram sob o galpão de granito.

–Ora, ora, ora, se não são Íris Brainvich e... E... Quem é esse garoto?

–Não sei mestre. Nunca o vi.

O garotinho deu uma mexida com o cabo no rapaz inerte no chão. Ele tinha o corpo dorido e fraco, pois tombou de mau jeito e estava muito zonzo.

Íris se levantou aérea após a queda, tateando Christian exasperadamente; sem saber se o mais certo era procurar protegê-lo ou acordá-lo. Desequilibrada pelo nervosismo, decidiu optar pelo mais sensato:

–Chrristian! Acorrde! Acorrde agorra!!

–Ham... Íris...

Amanttis foi até os dois. Conduzindo o rosto da moça delicadamente até ir de encontro ao seu, pôs seus olhos nos dela.

–Tem os olhos do seu pai, garota. Os mesmos.

–Você o matou! – berrou Íris com ódio, se abdicando de seus braços num rebento.

–Você tem que culpar meu irmão, mocinha. A culpa é toda dele, foi ele quem envolveu seu pai nesta história. Bóris não estaria morto hoje, não fosse Amanttinis.

–Mentirroso! O culpado de tudo é você!!

Amanttis soltou uma risadinha impudica.

–Até seu sotaque, querida... Ele é idêntico ao de seu pai! Vocês poderiam ser irmãos gêmeos, não pai e filha...

Christian acordou. Levantando-se, tentou catalisar rapidamente o ambiente; E com ligeira e repentina rapidez, atacou Amanttis, ao vê-lo próximo de Íris.

Amanttis, por sua vez, julgou a ação indecorosa como um gesto educado de felicitação.

–Que personagem singular... Já sei quem você deve ser... Só pode ser...

Christian não queria mesmo saudações. Pulou por cima do rei dos alienígenas, dando insistentes socos nele, até arrancar o sorriso fingido de sua cara. Queria encontrar a pirâmide, mas os outros aliens o seguraram; agora eram muitos, dentro da sala. E Christian não fazia ideia de onde tinham vindo, mas o impediram de prosseguir e cada qual deles revidou os murros dados em seu rei com extrema violência. Eram quase todos corpos de crianças e jovens. Não passavam dos vinte e cinco.

Mas o rapaz não conseguia reagir.

Eram vários.

–Nón facon isso! Parrem Agorra!

–Você é louco, garoto? – questionou Amanttis, enxugando uma pontinha de sangue que escorria pelo canto da boca. – Meu irmão lhe mandou fazer isso? Um humano inofensivo, contra mim?!

A ferocidade contra Christian, à esta altura, já chegava a ser covarde.

Imobilizado e vulnerável, ainda assim tentava se defender. Evitou um pontapé segurando a perna do agressor, mas um deles chutou seu rosto e impulsionou seu corpo sobre seu pescoço, o deixando livre para o assalto dos outros.

Íris lacrimejante, segura por outros dois.

–Parrem, vocês vón matá-lo!!

O garotinho menor acertou uma pancada seca no estômago de Christian.

Amanttis não sabia se ria, ou se gargalhava.

Olhou de Íris, para seus servos. De seus servos, para Íris. Decidiu caçoar ainda mais:

–Parem! Vocês não ouviram Íris?! Não ouviram a pobre garota!... – o teatrinho de Amanttis era tão ruim quanto seu penteado – Me dêem ele aqui, vai. Vocês são cruéis demais...

Os servos obedeceram prontamente, soltando o ensanguentado Christian Salém.

–Você gosta de nadar, rapazinho?

Christian cuspiu sangue no desprezível quando se agachou até ele.

–Isso deve significar um sim... – riu-se Amanttis, limpando o rosto.

Puxou Christian como uma marionete, segurando-o pelo pé.

A arena principal seria a piscina.

A platéia se sentou ao redor dela como se um espetáculo circense estivesse prestes a começar.

Dos olhos de uma única pessoa escorriam lágrimas, que queimavam-lhe o rosto.

–Nón! Mate-me entón! – Gritava a pobre Íris – Ele nón merrece isso!!

–Íris, querida, sei que damas são sempre as primeiras, mas vou abrir uma pequena exceção desta vez. Vai ser rápido, e você é a próxima... Vamos começar então rapaz? Hoje a fila está grande...

Amanttis jogou Christian na piscina, e retirando a blusa, pulou logo depois.

O rapaz queria mover-se rapidamente na água, ou ir para o fundo, tudo ou qualquer coisa que pudesse afastá-lo do perigoso Amanttis. Mas seu corpo linfático pelas agressões não o permitiria. Ele já estava acabado...

Amanttis não perdeu tempo, e submergiu o rapaz na água, tentando afogá-lo.

–Como é seu nome, meu caro?

Christian estava tonto, e via apenas um borrão de olhos verdes perguntando seu nome.

–Como é seu nome! Eu quero saber!!!

Ele decidiu usar palavras que quase nunca usara em sua vida.

Vai se danar.

–IDIOTA!!

Amanttis o sufocou novamente, segurando-o dentro das águas clorais da piscina.

Os pulmões do rapaz retorcendo-se em busca de oxigênio, seu fôlego baixando à ritmos alarmantes.

–Hum! – pulsou Christian novamente com toda a força quando foi precipitado outra vez para fora d’água. Puxava todo o ar que podia puxar, mas que não pautava nada. Seus sentidos tentavam fazê-lo permanecer com os olhos arregalados, tentavam fazê-lo entender, mas ele se sentia enfraquecido, entorpecido, sentia-se morrer.

–Solte-o, Amanttis! SOLTE-O AGORRA!!!

–Acalme-se querida. Já é quase sua vez...

–Nón, Nón, Parre, PARRE!!!

–Inúteis, contenham essa garota. Não estão vendo que estou ocupado?!

Após a ordem, Íris parou de gritar.

As mãos sujas e firmes de Amanttis trouxeram Christian de volta a superfície por mais uma vez.

–Um garoto tão bonito... Por que quis me impedir? Por quê? Quis ouvir as palavras de meu irmão, não foi?... TOLO. Tanto quanto ele.

Dizendo isto o pôs de volta na água, alucinadamente.

Afogamento.

Jeito deplorável de morrer. Não que todos não sejam, porém, este era pior. Este era rude, banal, feio...

Os aliens riam como se um malabarista realizasse suas mais ousadas acrobacias. As principais, as finais.

Christian não compunha mais nenhum tipo de resistência. Estava perdendo os sentidos, e, naquele momento, mal sentia as mãos estáveis e imundas que agarravam seus cabelos. Parecia esperar tranquilo por seu fim certo.

Com os olhos ofuscados pela dormência frígida de sua mente, viu alguma coisa brilhar em seu bolso. Tanto, que o fez lembrar de tudo. O fez retomar seus pensamentos e procedimentos. O fez pegá-la e erguê-la bem no alto, apesar de suas mãos enfraquecidas.

Num fremido extraordinário, Amanttis o soltou, se repelindo do objeto como o cervo escapa de um leão furioso.

CRETINO!

Amanttis caiu no mesmo momento que Christian se restabeleceu, saindo da piscina intensamente bem, como se nada tivesse padecido. Como se seus sofrimentos fossem nulos com a pirâmide aquiescida em suas mãos.

–Só mesmo um ser como você poderia planejar isso. Somente alguém com mal no coração para arruinar a vida de bilhões de seres humanos ingênuos, vitimados por um videogame!

Christian destemido, e com o poder da pirâmide, mas os aliens ainda tentavam parar-lhe.

Amanttis saía com muito esforço da piscina, gritando em alto som:

–Tragam minha pirâmide!!!

Enquanto isso, Christian bateu os olhos assustados em algo.

–NÃO!!!

Íris Brainvich estava dependurada numa mirtácea velha e encolhida, com as vestes vermelhíssimas de um sangramento no ventre.

Com toda a robustez do mundo, Christian soltou-se dos aliens que o barravam, e chutou a árvore oca com tanto poder que um grosso cipó soltou sua prisioneira, que caiu nos braços do rapaz.

Naquele momento, ele desistiu de tudo. Tudo o que tinha que fazer. O que tinha que cumprir.

Seu objetivo, no momento, era salvar a vida de Íris.

–Não o deixem fugir! Peguem-no!!

Os berros injuriados de Amanttis de nada adiantaram: Christian disparou em velocidade até encontrar-se fora dos limites da casa; Íris em seu colo, perdendo muito sangue.

Ele corria.

Corria sem olhar para trás. Já próximo de seu carro pegou a chave em seu bolso com uma das mãos, e o abriu.

Seu sangue fervia em suas veias, enquanto dirigia frenético.

Seus pensamentos pareciam anestesiados, paralisados pelo tormento que a falta da garota poderia lhe trazer.

Neste exato momento, ele descobriu que a amava. A amava desesperadamente...

–Vai ficar tudo bem. Aguente Íris. Aguente, por favor – Christian falava a uma Íris desmaiada devido à diminuição de coagulação sanguínea, acariciando seus cabelos com terno amor.

Íris estava ficando pálida, e Christian sentiu que não podia mais continuar.

Parou.

Mas não podia, estavam vindo...

Correu a um posto de gasolina, o estabelecimento mais próximo de onde estava.

Íris quase morta em seus braços.

–Eu preciso de um pano! Alguma coisa!

Um homem na conveniência do posto correu assustado para socorrer a moça.

–Espere, senhor! Espere!

O coração de Christian palpitava na mesma instância que o de Íris parava.

Em desesperante agonia, ele rasgou sua camiseta, e tentou estancar o sangue com ela.

–Aqui está senhor!

O homem surgia trazendo gaze e um tecido branco e limpo.

Parecia tarde demais. Parecia o fim.

Íris Brainvich já devia estar morta.

Christian fechou seus olhos, e algo passou por sua cabeça.

“Não”... “Será que seria possível?”, “Será que...

Ele não quis esperar por nem mais um minuto. Tirou a pirâmide do bolso e colocou no ventre de Íris, onde seu sangue não parava de escorrer.

Houve um silêncio. O homem do posto olhou assustado para Christian, como se ele tivesse terminado de matá-la ao colocar um objeto pontiagudo em seu abdômen. Christian impaciente e esperançoso ao mesmo tempo, mirando a primeira mulher que realmente amara em sua vida, entregue e frágil em seus braços, com a vida por um fio.

–Han... – Íris suspirou numa lufada, voltou à vida. O coração de Christian ficou descomunalmente mais calmo.

Ela olhava do rapaz para o homem do posto, sem saber o que acontecia.

–O que é esse negócio que você pos na...

–SHU... – disse Christian, mandando-o fazer silêncio. – Ela está melhorando. Vou levá-la até um... Íris, o que está fazendo!

Íris começara a remover a pirâmide da barriga, e Christian se assombrou instantâneo ao ato.

–Você não pode tirá-la, Íris! Você perdeu muito sangue, e pode acabar...

–Chrristian, vou terr que correrr riscos. Você vai prrecisarr dela – avisou Íris estendendo a pirâmide que estava saturada pela cor vermelha viva.

Christian ficou de joelhos, ao lado da moça, no chão.

–Íris, eu não quero mais saber de nada, de ninguém, eu só quero salvar você!

–Nón diga isso, Chrris. Irrei ficarr bem. Grraças a você. Você me prrotegeu...

E, dizendo isto, os lábios dos dois se entrelaçaram, num beijo eterno, intenso, total...

–Íris... Eu...

Com delicadeza, Íris encostou a mão nos lábios do rapaz, detendo sua fala.

–Agorra vá Chrristian. Vá salvarr o mundo...

11. “Deminstifus Maléfiquis Poderes!”

Amanttis estava nervoso. Um calafrio humano passou por ele no momento em que pensou que o rapaz que escapara com Íris agora poderia ser uma ameaça.

A única ameaça, agora.

Ele precisava por um fim nele.

Só ele.

Num duelo de um contra um.

“Que vença o melhor”...

***

Íris ficou sob conta do dono do posto de gasolina até que mandassem uma ambulância. Mesmo sem acreditar em exatamente nada do que o rapaz disse, o dono do posto aceitou ajudar, abrigando a moça ali até que chegassem.

Christian esperava voltar, se conseguisse cumprir seu objetivo, para se certificar do hospital onde Íris havia sido levada.

Ele desvaneceu-se pela avenida, andando em marcha lenta nas ruas agora vazias, esperando o momento em que se encontrassem novamente: Amanttis e Ele.

O rapaz não tinha mais medo. Era movido pelo amor, pelo bem, pela fé. Se morresse, iria morrer defendendo sua vida e a de todos com toda a sua coragem...

Entrou numa ponte.

Edificada sobre arcobotantes fincados na terra do rio abaixo dela, e com pouca iluminação.

Apertou os olhos, pois além da falta de luminosidade da plataforma, a noite começava a enevoar-se.

Muito de repente, houve um baque. Algo chocou-se contra ele. Seu carro guinou violentamente, colidindo com um poste. O air-bag inflou.

Sua cabeça doía e parecia crescer por dentro, parecia querer explodir.

Saiu do carro sobressalente, examinando com cautela cada corpo estranho na plataforma.

Viu o tamanho do problema: seu carro perdera o controle logo após um outro que bateu contra o dele. Era grande como um furgão, o carro do provocador do acidente. Mas estava vazio.

A ponte estava vazia.

Ali só parecia haver dois carros e um só homem...

Inesperada e assustadoramente, um vulto começou a recortar-se. Não era só Christian quem estava ali. Alguém corria em sua direção.

Amanttis...

...

Esta seria a peleja final. Alguém sairia vivo, e outrem, morto.

–Será seu fim, querido – um homem alto, forte, e de olhos verdes que andava tranquilo e sem amparos na ponte monótona. – Christian Salém, um jovem homenzinho que perdeu sua vida por... Por... Por querer salvar o mundo!

–Você está sozinho, seu covarde?

–COVARDE? Você está me chamando de covarde?! Pois saiba que avisei meus cidadãos que viria sozinho, que não precisaria da ajuda deles. Você é que não passa de um...

–Amanttis, cale-se, por favor. Covardia é seu segundo nome. Invadir um planeta sem ultimatos, sem avisos. Isso é desonroso, fraco, infame. Você é um tirano!

Amanttis riu.

–Você acha mesmo que isso vai me... Comover?! Que isso vai me fazer dizer: “É verdade, Christian, vou desfazer tudo o que realizei, meus atos errados e infames”... Ainda não percebeu que não me importo com vocês?! Pelo pouco que os conheci, vocês nem mesmo merecem o corpo que tem!! A raça humana está dentre as mais inferiores em inteligência, e ouso afirmar que nós ericlashivas somos os mais avançados em tecnologia. Então, para que servem nossa mentalidade elevada, nossos novos inventos, e todo o nosso poderio mágico se não temos um corpo desenvolvido? Seria ilógico! Não é JUSTO termos tudo isso se não tivermos um corpo à nossa altura. E vocês, humanos pútridos, cobertos por ganância e luxúria, tem um corpo favorável? Não.. Isso é que não é justo.

–Só por que não merecemos você julga ser direito seu tirá-los de nós? Se você acha ou não acha, o problema é todo seu, Amanttis, mas você não passa de um mero coadjuvante neste universo para querer fazer o que faz! Você não é Deus!

–Cale a boca!!

Nenhum dos dois descontinuou seus passos, muito menos Christian.

Sua seiva o induziu até que ficassem face a face, olho no olho.

O rapaz o encarou, pensando rápido em algo que pudesse fazer. O som que ele emitia, de dentes roçando, rangendo, era nervoso, como o som de ondas ferindo a areia.

–E Amanttinis? Você o matou, não foi?

–Foi, foi sim. Por quê?

–Porque vocês são gêmeos. Gêmeos sentem falta um do outro.

Amanttis riu novamente.

–Você é muito sarcástico, garoto. Chega a ser pungente... Mas eu não vim aqui para brincadeiras.

Veloz e execrável como o bote de uma cobra, Amanttis ergueu Christian pelo pescoço, o deixando completamente sem revide.

–A pirâmide! Me dê!!

–Nunca irei te dar, seu asqueroso!...

Amanttis a viu.

Sorriu novamente.

Ela brilhava no bolso de Christian.

–Então terei que pegá-la a força...

Jogou o rapaz ao chão como um brinquedo descartado, mas ainda assim ele não desmaiou. Tentou se arrepanhar, mas Amanttis cravou-o, o prendeu, pressionando o sapato de couro duro contra sua garganta.

–Nunca imaginei que seria tão fácil... – zombou Amanttis, curvando-se e recolhendo a pirâmide de seu irmão – Amanttinis não lhe ensinou nada?... Diga?! Ah, sim, não pode falar...

Amanttis aliviou o pescoço do rapaz.

Sua goela quase saltava de dor, e o rapaz mirou Amanttis aborrecido, lamentando o desacerto.

Acabou. Fim. E os Ericlashivas foram felizes para sempre... Também, eu aguardava um adversário à minha altura, mas esperar o que de humanos? Além de burros não passam de uns fracotes... Meu irmão me falou antes de morrer: “Ele será a intervenção, a intervenção...” Confesso que até temi por alguns momentos, mas, até agora, o pobrezinho não interveio em nada!...

Christian Salém falhou. Derribado e desistido em frente à ineficácia de seus esforços.

O mundo estava perdido...

Amanttis soltou uma gargalhada

fantasmagoricamente diabólica. Retirou sua pirâmide do bolso mas, antes de juntá-las, um rapaz exonerado de opções, gritou:

–Você matou seu irmão Amanttis, seu próprio irmão! Por causas errôneas!!

Amanttis mirou-o, com arrogância e menoscabo.

Tentou rir como da outra vez, mas não conseguiu.

Estava descomposto por dentro e não queria transmitir isso. Acabou desordenando-se, ajoelhado e diminuído...

Sem explicação aparente, Amanttis caiu. Os dois pedaços de pirâmide rolaram à seu lado. Ele estava enfraquecido, não conseguia pegá-las. Suas mãos restringidas e frouxas...

–O quê... O que está acontecendo???

Christian Salém ainda no chão, também sentia dores que com certeza advieram póstumas a briga no esconderijo. Uma bola de chamas parecia se espalhar por dentro de sua cabeça. Mas seu furor superava tudo.

Ele se alçou erguendo, e apanhou os dois pedaços de pirâmide.

–Garoto? Garoto, o quê... O que fez?!!

A voz de Amanttis estava de uma rouquidão tremenda, e seu corpo, amolecido como uma polpa gelatinosa.

Christian parecia pela primeira vez sobreposto à forte frieza e autoconfiança do alienígena.

E as palavras começaram a fluir de seus lábios, sem seu próprio consentimento:

–Uma parte de você está fraca. Não está, Amanttis?

–Cale a boca! Eu não...

–Você matou seu irmão por motivos impuros. E seu ato pecaminoso foi, de todos, o mais desprezível...

–Isso não é verdade, seu maldito! Eu não sei, você fez alguma...

–Claro que é verdade! – a voz mais acentuada e repreendedora que Christian revelou em toda sua vida. – Você sabe que é verdade.

A ponte começava a ficar mais habitada. Haviam outros indivíduos, aliens, nela.

Numa célere perspicácia, eles vinham.

–Você não vai conseguir fazer isso! Eles estão chegando! Vêm para me ajudar!!!

–Não consigo fazer isso?... Eu... CONSIGO!

Os alienígenas vieram com tanta presteza que um deles até conseguiu tocar em Christian, tentar agarrar seus braços, tentar impedir que...

–DEMINSTIFUS MALÉFIQUIS PODERES!

Não!!!

Uma centelha de fogo verteu da pirâmide dourada. Fez a noite em luz, de modo literal.

Arfando pelo poder tremendo erguido em suas mãos, Christian se esquivava dos diversos aliens que começavam a cair por terra, derrotados...

–AHH!!! Eu estou... EU ESTOU!...

Amanttis estava morrendo. Perdendo o corpo roubado. Ele e os alienígenas começaram a arrazoar dialetos estranhos, que o rapaz não podia entender.

O espectro deles sobrenadou acima dos corpos, e, lenta e horrivelmente, começava a desfazer-se em fuligem.

Christian, no meio das gigantescas labaredas que tomavam conta da ponte, viu a pirâmide primeiramente fender-se em uma lasca, e depois estilhaçar. Se apagar no ar, junto aos aliens.

A luz fusca e as línguas de fogo começaram a desaparecer, da mesma forma que apareceram; deixando na ponte apenas um rapaz, e dois carros.

Christian Salém estava feliz. Estava feio, sujo, e desfalecendo devido a tantas dores; mas estava feliz por ter acabado com uma corrupta armação detrás de um videogame...

Este sim era o fim. O desfecho. O planeta havia sido salvo por um jovem homem, um humano comum como qualquer outro, com uma baita dor de cabeça...

...

Íris não aceitara ir ao hospital quando ambulância e maqueiros chegaram de prontidão. A moça iria permanecer ali, esperando ele. Ela pensava seriamente em jamais sair daquele local enquanto Christian não regressasse.

Estava confiante de que o rapaz tinha terminado seu trabalho. O trabalho que fora destinado a fazer. Desbaratar um plano tão bem articulado como esse era tarefa quase impossível, digna de renúncia. Mas ela confiava nos braços firmes de Christian Salém. Confiava que, ainda que normal, o rapaz era sábio, forte, e corajoso. Ela também o amava...

Estava redondamente entristecida por não ter sido capaz de ajudá-lo até o fim, mas tinha adquirido uma fidúcia absoluta em Christian desde que o conheceu, desde a primeira vez que o olhou em seus olhos...

Ela queria que ele voltasse, não só pelo mundo, mas por ela. Queria dizer a ele tudo o que sentia.

–Chrristian!!!

–Ei mocinha! Não pode ficar correndo assim, desse jeito!

Nada podia pará-la. Ela correu para um Fiat Croma preto, deformado por determinado incidente, e pulou nos braços de seu eleito. Um homem com as vestes imundas e rasgadas, sorrindo e abraçando aquela que era a mulher perfeita, a mulher que conheceu em circunstâncias curiosas, a mulher que realmente amava...

–Eu te amo, Chrristian, eu te amo... – declarou a moça.

–É você, Íris... É a mulher da minha vida...

Apaixonadamente, aqueles dois jobilíssimos adultos não sabiam o que fazer além de abraçarem-se ou beijarem-se desesperadamente, era o mesmo...

12. Enquanto houver bem... O mal não pode dominar

Dois Dias Depois...

Um dia de glória. Aquele, um dia para ser lembrado para o resto da vida de Christian, de Íris, e de todo o público ansioso para assistir o pronunciamento do homem que salvou a vida da humanidade...

O prefeito de São Paulo aprontou o comunicado de Christian Salém, aquele que venceu um ardiloso plano contra os humanos.

A declaração seria na praça da república, uma das principais da cidade, e seria televisionada por todo o mundo.

Christian nunca foi famoso como atores de sucesso, que sempre aparecem causando alvoroço, mas, neste exato momento, haviam milhares, talvez bilhares, de olhos atentos à ele. Nunca foi um escolar galanteador como Jonas Anderson, sorridente no meio da plateia na praça entupida de gente, mas estava com a garota mais bela que já vira em sua vida; Nunca foi o “queridinho” da família, mas todos ainda vivos – incluindo Sydney, que só ficou com uma enorme dor de cabeça depois da tijolada, e seu irmão mais velho que se fora para a Islândia há vários anos – estavam ali, chorando orgulhosos pelo parente.

–Senhoras e senhores de todo o mundo... Tenho aqui à minhas costas talvez o homem mais corajoso que este mundo já concebeu. O homem que arriscou sua vida, para nos defender. Ele lutou por amor! Por amor a mim, a vocês, a todas as pessoas do mundo. Mais dia menos dia, o fim de todos nós humanos chegará, é verdade. Mas este garoto e seu amor impediram que as vidas fossem-nas tiradas pelo mal! O sangue mais varonil do nosso século! Christian Salém...

O prefeito saiu do púlpito exageradamente ditoso, dando altivos e simpáticos tapinhas nas costas de Christian, colocando sobre seu peito uma medalha grande e dourada.

O rapaz abraçava duas mulheres: sua mãe e namorada. Foi com elas para falar àquela multidão.

Não fez nenhuma preleção planejada. Todas as falas do discurso, ao avesso de decoradas, sairiam de seu coração.

–Meus amados, não pensem que fiz tudo o que fiz, sozinho. A primeira pessoa a quem devemos tudo isso, é Deus. Ele move tudo. Nada seria possível sem Seu auxílio. Outras pessoas que contribuíram comigo, foram estas duas mulheres a quem estou abraçado. Minha mãe, tão sem querer como eu, se envolveu nessa história, e ao contrário do que muitas fariam, ela me apoiou! Íris, essa maravilhosa mulher que eu pretendo me casar, foi quem propiciou tudo isso. Eu nada teria feito sem ela!

O silêncio respeitável das pessoas era lindo. Todas gratas por um jovem de vinte e dois anos.

–E eu não posso me esquecer de citar Bóris Brainvich, o pai de Íris. Um humano sensacionalmente intrépido, que morreu por defender sua filha, e por saber demais. Eu não o conheci em vida, mas sei que um dia ainda vamos nos encontrar e eu vou poder dizer-lhe o quão agradecido sou por tudo o que ele fez. Por fim, mas não menos importante, tenho que contar a vocês sobre alguém que muitos mal possuem conhecimento de ter existido nesta história. Um ser que nem ao menos é humano. O nome dele é Amanttinis. Sabem, acho que se alguém devesse ganhar algum mérito com tudo isso, não sou eu. É ele. O alienígena que se revoltou contra seu próprio povo, para nos ajudar. O seu auxílio é a parte principal disso tudo.

A multidão, vidrada, não era capaz de tirar os olhos do rapaz. Ele hesitou por leves momentos, pensando em coisas que não viria a falar.

“Talvez Amanttis estivesse certo”, ele maquinava. Talvez, os aliens merecessem mais os nossos corpos, a nossa vida, o nosso mundo, mais do que nós mesmos.

Às vezes os seres-humanos conseguem ser tão egocêntricos com seus próprios irmãos, com seu próprio ambiente, que nossa vida muitas vezes se torna imerecida...

Apesar disso, pela enésima vez na história da humanidade, a virtude superara atos vis, a honra destroçara a indecência, o bem vencera o mal.

Christian olhava entusiasmado para todas aquelas pessoas. Feliz por sua bravura. Sua valentia fora além de tudo.

Ele cingiu sua mãe e sua namorada num abraço ainda mais apertado e caloroso, e findou:

–Queridos, só quero dizer que a vocês que se quiserem recordar esta memorável data, não lembrem-se de mim, lembrem-se por favor, para o resto de suas vidas, de Amanttinis, o compassivo ente que traiu seu povo, para nos proteger.

Uma salva de palmas emergiu da multidão.

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Epílogo

Agosto de 2019

Após o acontecido no planeta Terra, a procura por novos corpos celestes e vida em seus interiores se intensificou, e surgiram, de modo automático, novos seres.

A confusão que quase custou a vida da humanidade chamou a atenção dos outros planetas, que resolveram se revelar.

Num comunicado que durou quase duas horas, o planeta Terra descobriu que não era o único que possuía vida no universo...

Em todos os jornais, em todos os canais, em todos os sites e blogs, em todas as mensagens por iphone ou mp15, enfim, em todo e qualquer meio de comunicação, o assunto eram os novos moradores do universo. Novos para nós humanos, pois a existência de alguns superava trilhões de anos...

A Terra firmara um acordo entre os outros incríveis trinta e três novos planetas existentes na galáxia. Seres verdes, vermelhos, azuis, uma coloração tremenda invadia a sede da ONU em Manhattan, Nova Iorque. Uma reunião que aliançou a Terra a outros planetas, assinando um pacto de “não-invasão”, sugerido pelo próprio presidente da ONU. “Foi fomentada, hoje, uma relação cordial de nosso planeta com trinta e três novos planetas descobertos. Uma das vantagens da união, é que a Terra não correrá nenhum risco como o que teve com a invasão dos ericlashivas. ‘Hoje, possuímos um planeta mais seguro do que nunca’, afirma Téo Vilaverde, principal colunista brasileiro. O outro benefício, que propiciou mais segurança para alguns, foi que na reunião realizada hoje pela manhã, decidiu-se junto à repartição soberana de Zarbata a destruição completa do planeta Ericlash, devido ao fato do povo ericlashiva ter querido exterminar uma raça a fim de favorecer a sua. “O ato dos ericlashivas tornou-os indignos de vida. Por isso, seu planeta será extinto, para que não hajam possibilidades de vida para os próprios. E nós, os zarbatanos, faremos isso com muito prazer!” revelou Demelius, atual imperador do planeta dos zarbatanos.

...

Dentro de algum tempo, no dia datado de seis de agosto de dois mil e dezenove, o planeta de Ericlash será destituído da galáxia.

6 de Agosto de 2019

-O que está acontecendo? Vocês não disseram que não havia mais vida aqui?!? – gritou um zarbatano, com uma arma automática em uma de suas quatro mãos.

-Mas não há!!

-HÁ... SIM.

Um alienígena verde e alto, desacordou os dois zarbatanos com um par de murros secos e velozes.

-EU SOU... AMANTTIS!!!>

ia envolvendo o hgisttras coisas, eu posso concluir que o menino e o homem jendi coisas mais que voc